Contagem
Temos os dias contados. O cheiro do verniz
sobe-me pelo nariz, aquele tóxico cheiro, mas que por sê-lo me consome. A luz eu
ficou acesa e a coragem faltou para apagá-la. O som das últimas palavras a ecoar naquele quarto. No ar ficam as
palavras não ditas e, na mesa, o copo de água entornada. Pedaços de jarra
partida no chão e lágrimas a percorrerem-me o rosto.
Contei os dias, aqueles que ainda restavam. Os
dedos de uma mão chegavam-me. E pensei se ainda valeria a pena correr para
atingir. Seguir o caminho marcado e que o coração contraria. A cabeça diz que
sim, mas o coração diz que não… Mas fui. Segui o cheiro, como se a vida
dependesse disso, com sede de ter.
Estava quase no fim. E se recomeçasse?
Lembrei-me da força com que a porta bateu e do barulho inconsolável que fez no
dia da partida. Alguns vestígios permaneceram, enaltecendo-me a vontade de me
desfazer deles. O relógio avariado como se o tempo tivesse, subitamente,
parado. Um intervalo para pensar. Um tempo para pôr as ideias em ordem e a
chuva que, intensamente, brigava com o vidro da janela. O conforto do nada e a
ausência de posse.
Senti que acabou no dia em que se fundiu a
lâmpada e o vento abrandou. Era difícil não sentir, e presenciar a
inexistência. Passos cautelosos e respirações vagas. O vazio era cada vez mais
familiar, mas enigmático. E a contagem teve fim.
Ana Varela, 10.º K
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