A receita diária
Estou a
olhar para o prato há tempo suficiente para a sopa já ter arrefecido. Há dias
assim. Sinto que esta sopa é a coisa com que mais me identifico nos tempos que
correm.
Antes de ser sopa, eram ingredientes
diferentes vindos de sítios distintos, mas agora misturados são impossíveis de
distinguir, só vejo no que se tornaram: uma mistela com aspeto pouco
apetecível.
Tal como nela, tudo se misturou na minha
cabeça, problemas vindos de diversos locais, já nem os consigo separar, agora o
problema é muito maior e faz ferver a minha cabeça.
Ponho, finalmente, uma colher à boca, quando
desperto do meu transe, e custa-me a engolir, não sabe bem, é densa de mais
para mim, temo não ser capaz de a acabar. Ainda estou a pensar que é, no mínimo,
interessante o facto de eu me identificar mais com o que está no meu prato do
que com quem está sentado na cadeira à minha frente. Já vai na sobremesa, nem a
saboreia, limita-se a acabar a refeição. Não pediu sopa, talvez tema ver nela o
que vai dentro de si, tal como aconteceu comigo.
Hoje pretendia esclarecer tudo,
explicar-lhe que odeio tanto o desconforto em que estes almoços de sábado se
tornaram como deitar-me a seu lado todas as noites sem nada a acrescentar, mas
ele não iria entender.
Levanto-me. Mas quem estou a tentar
enganar? Não sou vegetariana e nunca gostei de sopa! Olho para trás, lá ficou
ele, mas não há com que me preocupar, ele já vem ter comigo.
A sopa ainda ferve, acho que lhe
falta alguma coisa... Abro a porta de casa, Ah! O ingrediente final, eu sabia
que ele não tardaria.
Inês Paulino, 10.º F
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