Um homem
Um homem senta-se à frente do computador a trabalhar. Fecha alguns ficheiros e
abre outros, à medida que ouve os mesmos trechos de música que ouvira há duas
horas seguidas. Sente-se cansado e, depois de fechar o computador, fecha os
olhos. No entanto, tem um metro a apanhar.
Um homem levanta-se da cadeira e sai de casa, tem que chegar cedo à reunião. O
metro vai demorar doze minutos a chegar, e consegue ouvir as pessoas ao seu
lado a ligar aos familiares e a reclamarem. Decide então que, como vai demorar,
pode ficar sentado em casa com poucas pressas. Vira à esquerda, algo lhe chama
a atenção.
Um homem senta-se, atrás dele estão as enormes portas abertas da catedral onde
acabara de entrar. Este lugar interessa-lhe. Nunca seguiu uma religião, muito
menos agora. Mas lá dentro encontrava uma simplicidade, onde a coisa mais
pequena era a maior das soluções para tudo. E lá à frente está o crucifixo que
tanto significa para outros mas para ele nem tanto. Ali, só lhe interessa o
silêncio e a reflexão. Consegue ver a luz ao fundo do túnel, e então pega na
sua mala e levanta-se para ter a certeza que ninguém entra no metro primeiro
que ele.
Um homem senta-se no lugar ao lado da janela, dentro da carruagem. Outro homem
está a desenhar, o que está à sua frente. O desenho era estranho, com poucas
coisas a darem razão à outra. Mas o homem usava a caneta avidamente. A caneta
tinha a sua própria vida e não seguia regras, e o homem vivia com ela. Mas
sempre que olhava para a janela, só conseguia ver o túnel e a sua negrura.
Nesse negro só conseguia ver o seu reflexo, e isso fez a caneta parar num
pequeno momento, já que não havia nada nele a não ser a imensidão preta. Claro
que podia ligar o computador e assim o ecrã deixava de ser preto. No entanto,
cansava-lhe os olhos, e então teria de regressar à escuridão. Nessa escuridão
os seus olhos viam tudo, e em tão pouco tempo que se assimilavam num só
elemento, sejam coisas físicas, emocionais, harmoniosas ou contraditórias.
Um homem levanta-se e sai da estação do metro. Demorou um pouco porque estava
tão concentrado a desenhar que quase se esquecia de arrumar o caderno e a
caneta na sua mala. Após ter observado o túnel sentiu-se com mais vontade para
desenhar. A sua cara era a única coisa que precisava para que continuasse, e
assim o fez. Desenhou uma casa rural, já degradada, com as heras a engoli-la e
a chuva a fazer-lhes erguer. Era um desenho de traçado simples mas profundo no
volume, luminoso e sombrio. Ao fundo do desenho, conseguia ouvir os sinos da
catedral a tocarem. Caminha em direção do edifício, onde terá a sua reunião.
Um homem levanta-se da sua cadeira na sala e vai em direção da cadeira do seu escritório. Liga o computador e escreve a ata da reunião que acabara de ter. Em seguida, fecha o computador. Da mala tira o seu caderno e só vê cálculos e horários estampados nas páginas. A última página está em branco. Pega na caneta e sabe o que há de fazer.
Joaquim Queiroz, 11.º F
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