Instante de Poesia
Lembro-me
de ser pequena, muito. Lembro-me de correr nuns pátios. Estou num tornado
desvairado dos pés. Estou a gritar, estou a correr tão rápido, estou cansada,
estou a fugir. Mas estou a gritar, porque não consigo parar de rir, porque
estou a acompanhar os pássaros, a calmaria do ar, o azul descansado do céu.
Estou a correr rápido, porque o tamanho da minha energia não tem caminho
suficiente, porque preciso de mais chão para correr, preciso de mais chão para
cair, para me sentir livre e me levantar. Estou cansada porque estou a correr
imenso, estou cansada, porque estou descansada o suficiente para não parar de
correr e para me deixar morrer a rir só porque sou pequena e estou tão feliz.
Estou a fugir.
Estou
a fugir de algo que conheço, algo que não me é desconhecido, algo que não me
assusta nem perturba. Algo que eu sei que me pode alcançar, algo que eu sei
que, mais tarde ou mais cedo, me vai alcançar, porque é assim mesmo que tem de
ser, porque é exactamente assim mesmo que eu quero que seja. E é por isso que
corro, feliz, porque sei que não há perigo em fugir do que não anda
diabolicamente atrás de nós.
Estou
a fugir de algo que conheço. Estou a fugir por brincadeira e porque sou
pequena, porque gosto de fingir que estou longe, porque gosto que me encontrem;
porque, apesar de ser pequena, eu gostava de fingir, em sonhos, que alguém me
encontrava simplesmente por andar à procura de mim. Sem eu ter de pedir, sem eu
ter de chamar. Com a voz.
Estou
a fugir de algo que não me assusta. Estou a fugir de alguém. Daquele ser
esguio, alto, que me seguia para todo o lado nos pátios da escola. Eu ainda era
tão pequena, mal sabia que alguém andava atrás de mim, mas já fugia.
Estou
a fugir de alguém. Aquela pessoa que ninguém via, só eu, só eu fingia que via
por saber desenhar tão bem sonhos no pensamento. Pegava na minha cabecinha, na
mente confusa e feliz. Desenhei-te desde sempre, mesmo quando nem eu nem
ninguém sabíamos que me seguias, com os teus passos compridos, pelo pátio da
escola.
Eu
fugia feliz, mas com um instinto cego de alguém que já sabe que não devia ser
apanhada.
E
eu, eu tão contente, tão feliz, eu que gostava tanto de andar a fugir como se
viesse alguém atrás de mim, respondia eternamente espantada, eternamente
confiante no facto de alguém andar a vigiar o que eu fazia. Eternamente certa
de que, mesmo sem saber de ti, mesmo sem te ver, já andavas atrás de mim.
Anda, anda
sim, é ele! É o Poeta!
Leonor Gaião, 11.º I
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