O desejo da árvore
Quinta-feira, 52 de outubro de 1972
Escrevo-vos hoje já noutra forma, mas nem sempre foi assim. Antes de passar os dias a atravessar este lago, aguardei longos e tristes anos para me sentir útil.
Comecei por ser semente, as raízes começaram a crescer em direção ao centro de terra, enquanto os meus ramos e folhas se espreguiçavam para o céu e as nuvens. Tornei-me grande, alta e forte, que era tudo o que eu desejava! Sim, era uma linda árvore! Pensei que tinha tudo o que queria... naquele lugar, porém, só estava eu, eu e o lago.
Só o vento me trazia pedaços de risos ou conversas soltas de outras árvores, aquelas que conseguia ver à distância...
Um dia tudo mudou. Ainda me lembro dos risos e gritinhos de todas aquelas crianças, a dançar, a brincar à minha volta, mas o que já mais esquecerei foi a sensação daquelas mãozinhas pequenas a quebrarem os meus primeiros galhos para os trabalhos da escola.
Primeiro foi o medo e a surpresa, depois a curiosidade e a excitação e até uma "quase-ligação’’, uma " quase-amizade", uma “quase-alegria". Depois vi-os regressar à camioneta da escola, um a um e, depressa demais, era só eu e o lago outra vez.
Uns meses mais tarde, vi-os chegar, aproximaram-se de devagar. A criança vinha saltitante e alegre e tratava o mais velho por avô. Falavam de cortar lenha para a lareira, de uma casa quentinha e de marshmallow a derreter...
Os primeiros cortes foram estranhos, mantive-me firme, porque desejava ser útil, apercebi-me que podia cair, mas não os queria desiludir, até ao último galho.
- É preciso esta lenha toda, avô? Melhor seria construir um barco para atravessa o lago! -
E foi assim que deixei de ser árvore.
Constança Esmeriz, 10.º F
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