Armaduras e farrapos, irmãos inatos



O sim e o não. A inevitável contradição. Daquilo que se fez definição, ninguém deita a mão. Na jaula se contempla, ninguém a experimenta. Quem sabe o que faz? Quem sabe que nome lhe dar? Viver e experimentar, tão pouco se faz por se encantar. Fechado na espera, toda a coisa se exaspera. Se dela se solta, é por tudo com que se confronta. Se nela fica, é porque não vê lugar para que exista. Diz-se o mesmo e escolhe-se uma fronteira. Inevitavelmente a mesma opção, inevitavelmente a mesma argumentação. E assim, para que tudo se distinga, se abre com palavras delicadas para despertar a atenção - ouvidos largos, doce emoção -, de seguida, tudo se quebra em desilusão - ouvidos se fecha, a amargura espreita. Fecha mãos, aperta, esmaga… Mãos rugosas, mãos secas, mãos fortes! Extraordinárias manápulas, que de secas perdem humanidade. Que de secas perdem vivacidade! Nesta gárgula se ausenta toda a sensação. Logo se vê que o masoquismo e a pressão são a nossa ocupação. Não se diga que não se tenta, não se diga que nem sequer se tenta! De tão humano se fez gárgula, de tão humano se fez pedra. Aqui se concretiza toda a humanidade, em pedra carcomida, que em erosão se distinga… Distinta tristeza, nem tudo ela acalenta, só para quem a diz sedenta. Quem não luta, só se alenta… Nem tudo se faz de auscultação, nem tudo se faz de uma alegação. Trabalha arduamente e diz que é fácil. Só te resta o empurrão, tudo o resto não tens em mãos. Espera-se que passe, espera-se que se ausente, espera-se o outro que vence… E até aí, que é feito da desconstrução, do choque com outra dimensão? Mil e uma em contas se procura. Uma só basta para que se destrua o aldrúbio que somente numa se evacua. Também este se senta, também ele se contenta e, de cada vez que a coisa corre mal, se acinzenta, na face esquenta o que o sangue já tão raramente tenta.

Tudo se abre, tudo se desvenda. Flor se mostra ao acordar para mais tarde se fechar. Pétala. Pétala que abre e pétala que fecha. Cor que fala, cor que mente. O roxo, o lilás, o cor-de- rosa, a outra cor a que não demos nome, a outra cor de que não sei o nome, a outra cor que mesmo o de daltónico distingue. A cor
estóica, a maravilhosa ausência! E não há mais beleza para quem atenta, do que esta que agora se apresenta. Pior se faz daquilo que não tenta, faz da pétala porta para aquilo que não amadureça. Que se conserve o que já se tem. Tem medo do desdém, tem medo de ir além daquilo que não tem. Por vezes, pétala vazia, está mais cheia do que quando cheia estava. Estar vazio e cheio de nada. Antagónicos, e toda a gente o negava.


Isa Marques, ex-aluna da Escola Secundária de Camões

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