Eles




Ele trabalha atrás de um balcão todos os dias da semana. Vê-os a aparecer e a desaparecer constantemente, e ele no mesmo sítio. Nunca conheceu um deles, nunca teve a oportunidade para tal. Em vez disso, as únicas palavras que lhes profere são “vai ser x euros e x cêntimos” e “obrigado e volte sempre”. Ele então dá o recibo e ela sai da loja com o material preciso para a aula. Partilha-o com o que se esqueceu de o trazer. Muitas vezes costuma ser assim, e também muitas são as vezes que ele é chamado à atenção e ainda mais aquelas em que ele ignora. Quando chega a casa, ele sente-se cansado por ter avisado um dos seus alunos outra vez. Felizmente este não costuma ser o caso com todos, e nos seus vários anos com este ofício e turmas pelas quais passou que assim tem sido. Aparecem e desaparecem, enquanto ele dá a mesma disciplina. Sente que lhes oferece alguma coisa, sejam quem forem.


Ele foi encontrar-se com eles no café como tinham combinado. Ficaram a falar de novidades que depois envelhecem e outros assuntos. “O professor reclamou comigo outra vez”, disse ele. “Descobri que ela gosta dele”, disse ela. “Eu vou a este concerto”, disse ela. Conheciam-se e falavam bem. Antes destes, ela conhecia outros, noutra escola. Ultimamente têm perdido contacto, uma vez que ela se mudou e depois conheceu-os. Ele diz que é natural e que não há motivos para se sentir mal com isso. A verdade é que não gosta de ver a filha assim e por isso diz-lhe estas palavras. Ele então despede-se dela para ir trabalhar. Na rua encontra uma sujeita a passear um cão. Ela faz isto como part-time, o cão não é dela, é dele. O seu turno na loja demorava a tarde toda antes de terminar e por isso não o podia levar a passear. Uma vez que concluído, fecha a loja. Ele chegou tarde demais e não conseguiu comprar o material necessário. Já sabe que vai ouvir uma chamada de atenção, mas pelo menos não tanto quanto o outro, que provavelmente vai pedir à outra para lhe emprestar o material. A irmã também é assim, sempre a emprestar.


Ela está à espera do metro a ver se ainda chega a casa antes de anoitecer. Se lhe tivesse deixado o cão uns minutos mais cedo, talvez conseguisse chegar a tempo. Como o telemóvel não tinha bateria, olhou para eles que estavam na mesma carruagem. Até então julgava que fantasmas não existiam, mas agora a vê-los, à sua frente, ao lado e atrás, existentes e presentes, apercebeu-se que nunca os sentiu vivos. Se eles o eram para ela, ela o era para eles. Aparecem-lhe e desaparecem-lhe e ela também. Estão lá porque assim o escolheram ou precisam, apesar dela só poder imaginar o motivo. Talvez era ela tal motivo e eles o porquê dela estar lá. Vidas próximas ou afastadas à dela, sabe-se lá. Até agora só completavam o espaço vazio, como se convenientes, mas uniformes. Mas em vez de preencherem o espaço, preenchiam-na a ela. Eles estão lá todos na mesma carruagem, no mesmo metro, que aparece e desaparece pelas estações que visita.

 

Joaquim Queiroz, 11.º F 

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