Um rapaz como eu




Carrego as teclas do piano. Uma metáfora aos olhos de outrém, uma imagem para tornar mais clara a compreensão desta existência. O meu nome é Tristão.
O paraíso está fora do meu alcance por agora, dizem… A chama do preconceito para com algo tão natural como eu nascer homem e tu mulher. Debaixo deste nevoeiro, tanta sombra! É a sombra que lhes tomba as ideias. Que se segurem as chuvas e os ventos. Quero viver para ver um rasto de luz, de razão por fim. Nasci no seio de uma família alheia a sinais deste género, expressar sentimentos não será de certo o nosso forte. Acordava incerto de quem realmente era, com mais um senão a bater-me à porta, insistente, sem vergonha. Para alguns estridentemente óbvio, para outros angustiantemente evidente. Mais uma cicatriz na cabeça do homem, e esta parece perdurar. Orientações não definem mentes nem pessoas, muito menos deveriam ser tomadas por ideais ou opções. Subirei, chegarei lá de certo, sem paredes para me barrarem o caminho. Vejo uma casa no horizonte, posso lá viver sobre o mar, alcançá-la sob o meu cavalo. Sem limites. Construir tudo de novo numa existência em que quando se evidenciam traços não somos distanciados. Sem obstáculos. As heras crescem sob as suas paredes, deixadas para apodrecer mais tarde, estas são o passado, as outras serão pintadas de novo. Planas. Claras. Sem disfarces nem necessidade de tal.
Quando a argumentação perde forças e nada parece produzir formam-se ideias na nossa cabeça, a minha é esta, e não se afundará no mar. Esta selvagem discordância tem os dias contados. Sou a chama mais forte do senão. E assim o serei, para sempre. Despeço-me, pela última vez fascinei como o rapaz de reflexos frágeis, traços suaves, brilho ruivo a percorrer todas as teclas do piano possuído por tudo o que me corrói, o que vai além do meu ser e da minha compreensão. Sou a chama, o fogo do senão. Calca já esta Terra há anos, e anos ainda virão e esta continuará a ser calcada porque faz parte da natureza, como o melro que saí da casca para ver a luz pela primeira vez ou a cria de cervo que dá os primeiros passos duvidosos. Faz parte da natureza, não está nas nossas mãos para ser alterada ou dizermos que está mal ou bem. Simplesmente assim o é. Simples, evidente, claro. Preto no branco.
Assim, aqui fico, Tristão. As dúvidas e sentimentos já foram revistos. Não te deixes agarrar como eu… Não deixes que pisem e repisem o teu caminho, como eu…
O eterno, Tristão.

Isa Marques, 11ºE, Escola Secundária de Camões

Comentários

Mensagens populares