Verão


Manhã de Verão
Era uma manhã de Verão como qualquer outra. O sol brilhava desde cedo. E desde cedo a vida desabrochava. Porque mais tarde, quando o calor do sol fosse demasiado, essa mesma vida era obrigada a sofrer uma interrupção.
Um pequeno pedaço de papel olhava para mim como quem suplicava para ser amado. Pedia-me, embora com a transviada certeza de que seria ignorado, que o preenchesse.
E se tivesse sido um qualquer outro dia, uma qualquer outra manhã que não aquela de Verão. Um qualquer outro pedaço de papel que não aquele com tom de framboesa, teria sido, de facto ignorado.
Mas o sol matinal brilhava no céu, certo de que, daí a apenas umas horas, a sua resplandecência seria demasiada para qualquer um suportar, assim quis que eu encontrasse aquele pequeno e perdido papel cor de framboesa, com aroma a flor de laranjeira e a magia de uma manhã de Primavera, naquela manhã de Verão como tantas outras.
E assim nasceu este sentimento.
Naquela manhã de Verão como qualquer outra.

Alice



Tarde de Verão
Era uma tarde de Verão como qualquer outra.
E queria o sol que eu escrevesse. O sol, traidor esse que se tornava cada vez mais insuportavelmente quente, aliado à inércia e mesmo à escuridão.
E queria um pedaço de papel sentir-se amado. O pedaço de papel cor de framboesa com cheiro a flor de laranjeira que se tornava cada vez mais brilhante e inquieto com a simples ideia de ser escrito.
Saí da casa para procurar amoras. Um papel cor de framboesa, com odor a flor de laranjeira e magia de uma manhã de Primavera não estaria completo sem a caligrafia de tinta cor de amora silvestre.
Os preparativos tornaram-se cada vez mais minunciosos. Aquele era o sonho de vida de um pedaço de papel. Pois sim, a aborrecida vida de um pedaço de papel por preencher.
À medida que o sol me penetrava os ossos, avançava pinhal dentro, a caminho do mar, passando pelas belas amoras silvestres.
Era uma tarde de Verão como qualquer outra.
E queria o vento que eu amasse.

Alice



Crepúsculo de Verão
Era um crepúsculo de Estio como qualquer outro. Passado à beira-mar, de pés mergulhados na água fresca que servia de refúgio ao insensato e traiçoeiro calor do sol que raiava o queimar da alma.
Teria sido um crepúsculo de Estio como qualquer outro se não carregasse comigo um certo pedaço de papel cor de framboesa na mão, uma tinta de uma certa cor de amora silvestre no braço e umas palavras de um determinado tom no sangue.
Olhei o mar com a mesma ardência com que o sol, bem longe do horizonte, me atingia.
Ele respondeu-me com a mesma calma e serenidade de sempre. Com a mesma astúcia do brilho com que a lua o esperava nessa noite.
Aparei a pena de uma gaivota que se encontrava caída a meu lado. Satisfeita com a perfeição precária do bico, molhei a ponta da pena na tinta e ameacei começar a escrever.
Num crepúsculo de Estio como qualquer outro.

Alice



Noite de Verão
“Querido pedaço de papel cor de framboesa,
Esta seria uma noite de Verão como qualquer outra, não tivesse o sol brilhado sobre ti, numa manhã como todas as outras.
Esta seria uma noite de Estio como tantas outras, não tivesse sentido a necessidade de buscar a derradeira tinta tingida de amora silvestre.
Esta seria uma lua de verão como tantas que me atravessam o caminho, não me tivesse o mar chamado a ele.
Não me tivesse ele chamado a este preciso lugar. O lugar que tanto me liga a alguém que me escorregou pelos dedos incapazes tão depressa como a areia é levada pelas brandas ondas deste oceano imenso.
Querido pedaço de papel, da mesma cor das últimas framboesas que juntos tomámos,
Esta seria apenas mais uma noite de Verão, se aquela tivesse sido apenas mais uma noite de Inverno. Desta vez a chuva não cai, mas a ligação àquela noite é maravilhosa. Posso jurar-te com toda a segurança que o sinto, aqui mesmo, ao meu lado. Acreditas nisso?
Acreditas mesmo que ele poderia estar aqui, ao meu lado, à minha espera, anos depois?
Querido e meigo pedaço de papel, da cor que mais me reluz felicidade,
Lamento tanto, mas tanto que seja este o teu destino. Que seja pela tua bela cor de framboesa que o teu fado é decidido como sendo a fonte do meu último desabafo. Do meu último suspiro…
Numa noite de Verão em nada como as outras.”

Alice



Amanhecer de Verão
Era um amanhecer de Verão como qualquer outro. Os primeiros raios de sol começavam agora a mostrar-se e a afagar o mar e o meu rosto.
Algo, ou alguém, me acordou com passos frenéticos.
“Alice? Alice? Alice, não vês que eu estou aqui? O que é que fizeste?”
Pensei que ainda sonhava. Era impossível que o estivesse a ouvir. A menos que…
Virei me e olhei-o nos olhos. Não estava, definitivamente, a sonhar. Era impossível sonhar um verde tão vivo, tão brilhante, tão perfeito.
Seria um amanhecer de Verão como qualquer outro, se não tivesse adormecido ao luar. Seria um amanhecer de Estio como tantos se não tivesse encontrado o pedaço de papel cor de framboesa que ele agora segurava nas mãos. Teria sido um amanhecer de Verão como qualquer outro se não me encontrasse a olhar, de pé, para o meu próprio corpo deitado na areia.
***
Seria um amanhecer como qualquer outro se ela não me tivesse procurado. Seria um amanhecer de Verão com os raios dourados do sol a fazer os seus cabelos brilhar se não tivesse tomado aquela decisão.
***
Seria um amanhecer de Verão como tantos outros se não nos tivéssemos reencontrado.
Mas era um amanhecer de Verão em nada como os outros que nos salvava.

Alice e Tomás


Rita Catarina Ramos Amador, 10ºE

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