A Sarjeta, a Velha, o Cachimbo e a Menina com um braço e meio


          A Menina com um braço e meio tinha cinquenta e quatro anos. Estava desempregada. Desde há três anos que não punha os pés num emprego decente. Era muito difícil encontrar trabalho na idade dela, e a sua condição física ainda complicava mais as coisas. Tinha já tentado ir por duas vezes a uma localidade muito mal frequentada, chamada Bairro, nos subúrbios, com o propósito de se prostituir, mas nada...afinal a crise bate a todas as portas.

        A Velha tinha quinze anos, nunca se percebia bem em que situação ou estado emocional se encontrava, a única coisa certa é que chegaria a fumar com imensa satisfação e prazer o seu cachimbo.O Cachimbo desde há quatro anos que fazia parte da vida da velha. Era fumado todos os dias, várias vezes. Ela punha-o na boca, entrelaçava-o com a sua musculosa língua e dava chupões vigorosos e ininterruptos. As partes laterais do bucal, estavam de tal forma trabalhadas com a língua e os dentes, que este começava a assemelhar-se com uma aba de um cesto de vime.

           A Sarjeta era o chão da cidade, toda a gente a pisava, tudo caía sobre ela, tudo ia dar a ela. O governo decidira havia dez anos que todo o asfalto, relva, passeios calcetados, brita e lajes empedradas seriam removidos do chão da cidade, e substituídos por uma cómoda sarjeta universal, que cobria toda a área útil da cidade. Contornava prédios e lojas, delineava grandes avenidas e marcava largas e compridas estradas. Afinal sempre era uma opção mais sustentável e económica, face às adversidades da conjuntura em que se encontrava o país, argumentava o governo. Mas para os cidadãos esta fora a pior solução, porque não só tinham que adequar todo o tipo de transporte e vestimenta ao pavimento,como, a cidade ficava como se tivesse dois mundos distintos. Acima da sarjeta e por baixo da sarjeta.

          Quando se olhava para baixo, via-se a repugnância e a imundice dos esgotos e terras enlameadas, assistia-se ao esventramento da cidade.

         Quando se olhava para cima, éramos presenteados com a podridão do olhar das pessoas e a sua constante insatisfação com o meio que as rodeava.


Gonçalo Albergaria Dias, 10.ºF


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