Adoro ouvir-te rir.
Ficou imóvel uns segundos. Até que subitamente levantou as mãos no ar, como se fosse um mimo. Depois, uniu cada polegar a cada dedo indicador, desenhou umas amêndoas, uns olhos a partir dos contornos dos dedos compridos. E num gesto extremamente inesperado, tal como todos os outros naquela noite, virou as mãos do avesso e foi pousar os contornos amendoados que tinha inventado, em redor dos seus olhos, deixando os outros dedos colados à face.
Estava cómico. Parecia que tinha
uns óculos, uns binóculos, feitos de mãos, que apontavam para mim. Parecia um
lunático.
Riu-se. Sorriu-me. E, como uma
criança feliz, falou-me. Estou a ver-te!
Não aguentei mais. Qualquer medo
que eu pudesse sentir tornava-se cada vez mais patético perante aquela criança
adulta que parecia não se importar que não lhe percebessem as brincadeiras. Não
aguentei mais e desatei-me a rir. Aquilo tudo. Aqueles gestos tão frescos, tão
incomuns e tão familiares ao mesmo tempo, eram também tão patéticos, tão cheios
de doçura e de misticismo encantado.
Ele sorriu muito, os dentes grandes
desenharam-se-lhe nos lábios rosados. Mal lhe conseguia ver os olhos, tapados
pelas amêndoas dos dedos. A voz dele repetiu as mesmas palavras que já antes
dissera. Mas agora, delas nascia um novo sentido graças à minha gargalhada
espontânea, sem vestígios de medo, apenas vislumbres de um receio ténue.
Adoro ouvir-te rir.
Lembrei-me. Lembrei-me de como ele
já o tinha dito. Apercebi-me de como agora aquilo fazia sentido. Percebi que
ele tinha conseguido fazer-me rir.
Sorri. Nem sei porque o fiz, mas
cometi, também eu, uma loucura, e deixei-me levar nos sonhos distantes que ele
inventava.
Coloquei os dedos virados do avesso
em redor dos olhos. Agora, ambos tínhamos binóculos. Ao som do sorriso doce do
assassino da bengala amarela, criei palavras que só pensei saber dizer durante
os meus seis anos.
Daqui é a Ria, escuto. Também estou
a ver-te! Obrigada por me fazer rir, homem de turbante.
Leonor Gaião, 11.º I
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