Sob os Narizes do Olimpo - Capítulo 4




Quando alcancei o edifício do centro de acolhimento estava exausta. Procurei nos jardins o meu canto do costume, no meio dos arbustos, onde estava o meu pequeno coelho de peluche, o único objecto que mantinha desde que me lembrava de existir. Trouxeram-no da maternidade comigo.
Ia dar-me a mim própria cinco minutos para ficar abatida, e a partir daí acabar-se-ia qualquer tipo de auto-comiseração. Já tinha passado por demasiado para me deixar abater assim. Não havia tempo nem paciência para ter pena de mim própria. Seria bastante mais produtivo estudar para o teste de Matemática A. Por isso, após os cinco minutos permitidos, era exactamente o que faria.
Quando me deparei com a mulher, Filomena, agachada à minha frente e a olhar-me nos olhos, só não preguei um berro porque estava ainda demasiado ofegante para o fazer.
- Clara, a culpa não foi tua! Quando muito, foi do teu pai! Mas nunca tua!
- Este tipo de coisas não é suposto acontecer! Estou farta de prejudicar todos aqueles que me rodeiam! – Desta vez o meu fôlego era já estável o suficiente para me permitir elevar a voz a um “quase grito”. – Eu não quero ajuda, só quero que isto acabe!
- E vai, minha querida, eu prometo-te que acabará em breve, mas não sem luta.
- E para isso tenho de partir? – Perguntei um pouco a medo.
- Tens. E tudo isso está a ser tratado. Partes amanhã de manhã, com o raiar da aurora, e vamos manter-te o mais longe possível do teu pai, ou seja, o mais longe possível do submundo.
***
No dia seguinte fui acordada às cinco da manhã. Um jipe esperava-me à porta, já com as minhas malas carregadas e com Filomena, ou melhor, o seu espírito, sentada ao lado do condutor.
Despedi-me de algumas raparigas que foram acordadas pela luz do meu candeeiro, mas nenhuma das despedidas me marcou realmente pois não estava realmente apegada a ninguém em especial. Se me esforçar ainda hoje consigo relembrar vagamente as suas feições, mas os nomes apagaram-se da minha mente pouco tempo depois de as deixar.
Entrei no carro e pus o cinto de segurança.
O condutor, Darius, filho de Ares (assim mo apresentou a psiquiatra) era alto, de constituição forte e musculada, e não deveria ter muito mais do que quarenta anos. Cravou o pé no acelerador, e passava pouco tempo das nove da manhã quando chegámos ao nosso destino, algures no meio da Serra.
Esperavam-nos um homem de idade aproximada à de Darius e um rapaz ruivo, que aparentava a minha idade.
Inspirei fundo antes de sair do jipe.
A neve ainda não tinha começado a cair. As árvores estavam já meio despidas, as folhas que restavam eram amarelas ou bastante avermelhadas. No entanto, a neve ainda não tinha começado a cair, o que me dera um certo conforto, visto que a neve não era, de todo, algo que adorasse.
***
- Clara, o meu pai pediu-me que te chamasse para almoçar. – Disse o rapaz ruivo, sem abrir a porta do quarto.
“Muito bem” pensei “Ao mesmos aqui não me entram pelo quarto adentro sem mais nem menos.” Estava a concentrar-me na parte positiva.
- Obrigada. – Respondi, saindo em direcção à pequena sala de jantar e fechando a porta atrás de mim.
Já todos se encontravam sentados à mesa, excepto Filomena.
Sentámo-nos nos lugares que se encontravam vagos e fomos servidos. Durante o almoço foram-me apresentados os dois outros homens. O primeiro, o mais velho, cujo nome era Jorge, tinha 45 anos e era o pai de Rodrigo, o rapaz mais novo com dezoito anos feitos no mês anterior, que era um semi-deus, mas não me disseram de que deus ele era filho. Mas havia qualquer coisa nas diferenças de um e outro que me dizia que não eram ligados por sangue. E quando havia “qualquer coisa que me dizia”, era porque era verdade. Era certo e sabido que estava certa. Infelizmente, o meu sexto sentido nunca falhava, mesmo nunca.
- Então, Clara, não te importas de viver numa casa só de homens? – Perguntou Darius, tentando fazer conversa de circunstância.
- Não.
- Bem, tecnicamente ela não está sozinha connosco, ela consegue ver a Filomena. – Explicou Rodrigo.
- Ela está aqui agora? – Perguntou o pai de Rodrigo enquanto olhava, algo assustado, à sua volta por toda a sala de jantar.
- Não. – Voltei a responder.
***
- Posso? – Virei-me assustada. Não estava à espera de ninguém. Por entre os ramos das árvores só consegui distinguir o seu cabelo ruivo.
- Consegues subir? – Perguntei.
- Claro.
Em poucos segundos estava sentado no ramo ao meu lado.
- Então esta é a famosa filha de Hades… - Começou.
- Nem vás por aí. – Interrompi.
- Não pareces muito simpática, sabes?
- Não preciso de ser simpática.
- Ai não? Preferes que ninguém te dirija a palavra? Porque pelo que me parece, vais passar aqui uns bons meses… e durante o Inverno a Serra torna-se aborrecida quando estás sozinho… Sei disso de experiência própria porque não vive ninguém nestes arredores da nossa idade…
- Tu falas demais? Sabes?
- Já me disseram.
- Olha, vou-te deixar tudo bastante claro. Podes começar desde já a odiar-me, porque já sei que passado algum tempo é o que vai acontecer. Se estás à espera que chegue aqui e me passe e tenha algum esgotamento nervoso porque tive uma vida dificílima – o meu tom sarcástico era detectado até por uma criança de cinco anos, se me ouvisse –, aviso desde já que isso não vai acontecer. Não sou de lamentações. E se esperas que chegue aqui e tenha pena de ti que sempre viveste sozinho e nos tornemos amigos, esquece lá isso porque não me dou bem com ninguém desde os meus dois anos.
- Olha, sabes que mais? Não há paciência para aturar os filhos de Hades, mas não me podem acusar de não ter tentado deixar-te mais confortável neste ambiente. Agora se não te importas… - Saltou do ramo da árvore para o chão, um movimento delicado, e nem quando os pés tocaram o chão se ouviu um embate. No entanto, um pedaço de tecido rasgado ficou preso ao ramo, da mesma flanela com xadrez da sua camisa.
Apanhei-o e guardei-o no bolso.
“Este rapaz não me vai fazer a vida mais fácil.


Rita Catarina Ramos Amador, 10ºE

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