O outro lado do vazio




Desviei o olhar do livro e fiquei a observar o Senhor R. Estava vidrado no canto das roseiras, com um olhar tristemente vazio e embaciado. Vazio talvez não fosse o termo. Parecia cheio, cheio de um peso profundo, imenso. Às vezes as coisas chegam a um ponto em que estão tão imensamente a transbordar que passam a estar vazias. O peso também pode ser vazio. Vazio é já não ter mais lugar para albergar o peso. Olhei para o número da página no fim do livro. 36. Larguei-o, pousei-o no meu colo. Suspirei, fiquei triste só de imaginar o que ele estaria a sentir. Em que está a pensar, Senhor R.? Quando dei por mim tinha sido apanhado pela Sombra, que me olhava com um olhar perspicaz, num misto invulgar da sapiência da coruja, da liberdade perigosa do pássaro e da ternura de uma mãe que alimenta a cria. Acordei do sonho triste em que sonhava, ajeitei as minhas folhas, nervoso, tossi, ri-me levemente. Ah, nada, em nada, Sombra. Ela sorriu-me. Não era isso que diziam os seus olhos. Ri-me. Quis chorar. A Sombra levantou-se do baloiço e veio pousar o corpo ao lado do meu. Lembrei-me da minha filha, disse-lhe eu. Era incrível como agora lhe dizia tudo. E ela só se tinha levantado. Tudo porque ela sorria como se soubesse os segredos todos do universo e tivesse ouvidos e coração para as mágoas todas que fazem parte do universo de cada um.



Leonor Gaião, 11.º I

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