O novo mundo - Capítulo I
20º Dia
Hoje vim ao mesmo local de ontem. E está novamente um frio tremendo. Já não sei por onde hei-de ir, o que fazer, nem como voltar. Só me apetece que este dia acabe agora por me ter estado a correr tão mal. O mapa que desde inicio ando a criar ia ficando perdido por aí, neste mundo desconhecido, com uma ventania que nunca um dia pensei em vir presenciar. Para além disso, estive perdido durante umas possíveis três horas de acordo com a intensidade do sol, visto que aqui não tenho relógio nem a noção do tempo. Quando o sol se levanta, considero serem seis e meia da manhã, como, também, quando se põe, faço conta que são sete da tarde. As noites aqui são sempre bastante húmidas, geladas e sombrias e por isso recolho, logo que a luz se desvanece, tudo aquilo que fiz durante o dia, nomeadamente, a fruta que resta da colheita que fiz bem de manhãzinha e tudo aquilo que encontro debaixo do rio Doce (nome que assim lhe dei) antes da hora de almoço. Tudo o resto se encontra na minha pequena casa que encontrei junto à fonte que também já existia e onde eu costumo ir buscar água.
Hoje descobri mais um objecto no rio Doce, aquele que faz ligação com um outro rio ou se calhar um oceano. Era uma pequena caixa de madeira em que a tampa estava partida ao meio, mas notava-se que estava trancada à chave e deduzi que devia ter tido qualquer coisa lá dentro. Quando consegui quebrar a fechadura, levantei a tampa e notei que havia qualquer coisa escrita no fundo de madeira. Parecia dizer “…contigo estarei…”, mas havia mais qualquer coisa escrita que não dava para compreender.
F.G.
22º Dia
O sol desta madrugada batia tão forte que nem fui à recolha de fruta. Não me preocupei muito pois tinha a do dia anterior. Fiquei a desfrutar de um bom quentinho depois de uma noite tão gélida como a anterior. Cá para mim deve ser um género de Verão. Cada vez tenho mais dúvidas quanto ao sítio onde estou, porque há coisas aqui que não fazem sentido. Como pode não existir ninguém? Serei o único? Estarei num mundo paralelo à Terra? Ou haverá algo para além disto? Agora já compreendo as pessoas da época dos Descobrimentos. Nem acredito no que se está a passar. Provavelmente estou em coma e a dormir há muitos anos! Mas acredito que vou descobrir o que se passa comigo e principalmente com este sítio.
Depois deste longo pensamento filosófico de todos os dias, tomei a decisão de fazer-me à vida com um plano bem pensado! Não tem sentido estar parado à espera que venha um avião e que me ponha aos saltos em busca de ajuda. Mais vale morrer a tentar que nada fazer para me salvar!
Na minha busca de hoje ao rio Doce fiquei intrigado com uma coisa em que reparei. Há cinco dias que avisto uma pequena terra ao fundo do rio, lá muito longe. E hoje nem dei por ela. Começo a achar que já estou a ficar obcecado por me querer pôr daqui para fora o mais rapidamente possível! Tenho saudades da minha mulher Margarida e dos meus filhos, Carlos e Andreia. Que pensarão eles de mim? Como e onde estão? Se calhar pensam que os abandonei ou que morri.
F.G.
25º Dia
Estou pronto! Já tenho tudo a postos para amanhã partir em busca de oportunidades e de um regresso a casa. Colhi imensa fruta que estava pouco madura para durar mais tempo e água na minha garrafa de vidro, encontrada à beira mar, para levar na minha “mochila” feita de grandes folhas acabadas de tirar de uma árvore, unidas por raízes finas mas fortes, que ainda devem durar quatro luas até tudo secar. Nela também levo uma manta enorme que deu à costa há dias, dentro de uma grande caixa de madeira velha, para me tapar durante a noite e, também, levo a minha tábua de madeira para pousar a fruta que comer.
Não tenho nenhuma direcção em especial, apenas me vou guiar até limite de onde conheço, através do meu mapa. Depois apontarei e deixarei rasto dos sítios por onde passar, de resto só desejo que Deus esteja do meu lado!
F.G.
O novo mundo
Capítulo II
29º Dia
Há três luas que ando a vaguear por aí à procura de respostas e tudo o que vejo são meia dúzia de casas, árvores, plantas e, imensas fontes. Não vejo o sentido de tanta fonte. Já estou a enlouquecer com tanta incerteza. A minha família e amigos não têm a noção do que estou a passar. Isto é horrível! Tenho que continuar…, eu sei que vou encontrar, eu sei! Começo a entrar em dúvida se aqui gosto de estar ou se tenho saudades de tudo o que tinha. Por um lado, é óbvio que sinto saudade pela minha família e amigos mas, por outro, tirando esta angústia de não saber onde estou, são como umas “férias” para mim. Não dependo de mais nada a não ser de mim mesmo e da natureza.
Começo a suspeitar que há mais alguém neste local e, se for, espero que saiba que sítio é este onde nos fomos ou nos foram meter. Porque quem sabe tenhamos vindo de livre vontade (o que não me parece) ou até mesmo sequestrados. E também tenho andado intrigado com o facto de ainda não ter visto qualquer outro tipo de ser vivo e, refiro-me a animais. Este sítio tem óptimas condições para existirem. Nem sequer um pombo, uma andorinha ou até uma gaivota a voar, nem um mísero peixe para o jantar. Nada! Que raio de sítio é realmente este? Já me falta pouco para acreditar que devo estar mesmo a sonhar. Se me tivessem raptado porque razão me estariam a pôr aqui. E se existem aqui casas e ainda por cima num sítio destes, tão bonito e agradável, devem ter vivido aqui outras pessoas mas, porque se foram embora? E os animais também se foram embora? Haverá algo de errado com estes terrenos? À medida que o tempo passa, ou fico mais confuso ou mais apavorado mas, sinceramente, não sei qual deles prefiro, se ser ignorante ou corajoso.
F.G.
32º Dia
Finalmente descobri alguém! Estava eu a caminhar e a bisbilhotar umas casas em redor de uma das fontes que existiam quando vejo pela janela um movimento dentro de uma das divisões. Com muito cuidado tentei perceber primeiro o que era e reparei numa senhora. Encostei-me em pé à parede e arrastei as costas até ao chão, permanecendo sentado nele. Estava estupefacto. A minha boca esta literalmente aberta com o que acabava de ver e só pensava: “ Estou salvo!”. Bati à porta e reparei que essa senhora estava a demorar muito a abri-la, pois talvez estivesse surpreendida com o que pudesse ser. Entretanto abriu a porta muito lentamente e a espreitar cuidadosamente para ver quem era, e pergunta-me: ”Quem é o senhor e o que está aqui a fazer?” Respondi-lhe bondosamente que me chamava Francisco Gomes, que era engenheiro do ambiente e activista político e, que estava perdido e não sabia como chegara até aqui, muito menos como sair. Logo que ouvi “pensei que me fosse salvar! Mas entre, por favor!” deduzi logo que estava a falar com uma pessoa na mesma situação que eu. Logo que entrei, sentei-me com ela numas cadeiras que por lá havia e conversámos (ainda me lembro exactamente dela):
-Diga-me só o seu nome por favor.
-Sou a Rose, muito prazer!
- Conte-me como veio aqui parar, por amor de Deus! Estou há uns possíveis trinta dias com esta roupa, a comer fruta e a tentar salvar a minha pele a todo o custo, à procura de uma solução para sair daqui. Tento não me esquecer há quanto tempo aqui estou.
-Oh! Já aqui estou há mais de 110 luas e você é a quarta pessoa que encontro neste sítio e estou…
- Quatro pessoas!?
-Mais tarde os apresentarei a si, Sr. Francisco, não se preocupe!
A conversa não durou mais do que uma tarde inteira baseando-se na partilha de histórias vivenciadas pelos dois. Descobri que a Rose é uma especialista em medicina geral e que todos os outros quatro, também tinham cargos de grande importância. Disse-me que havia seis casas em roda da fonte em que uma delas não estava habitada e que poderia ficar lá, convidando-me para uma reunião à noite em volta de uma lareira, entre nós os dois e as outras pessoas que vivam em roda da fonte de maneira, a pudermos conhecer-nos melhor uns aos outros.
Beatriz Mendes, Escola Secundária de Camões, 10ºD
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