Tempo Perdido




Sabem quando passamos tantas vezes no mesmo sítio que ele acaba por perder todo o encanto? Quando fazemos tantas vezes o mesmo percurso, que nem nos lembramos de o fazer? Quando começamos a odiar esse caminho por ser a prova de que ainda não chegámos?

Eram estas as coisas de que ela se arrependia.
Ela tinha feito aquele mesmo caminho, percorrido aquelas mesmas ruas, mais vezes do que conseguia contar. Mas, para além do percurso, tinha existido outra constante: a companhia.

A sua melhor amiga tinha dado a mesma quantidade de passos que ela naquela estrada. Juntas, tinham automatizado a passagem por ali, preenchendo o tempo com conversas, piadas ou silêncios confortáveis. Tanto tempo passado ali. Tanto tempo esquecido. Tanto tempo perdido.

Ali, em pé no meio da estrada, ela puxava pela cabeça, tentava a todo o custo lembrar-se dos temas dessas conversas, dos risos que partilharam, dos sorrisos que trocaram. Mas não conseguia. Tempo de que não guardava memória. Tanto tempo perdido.

E agora, amargamente e tarde demais, entendia as consequências dos seus actos. Entendia as consequências de ter tomado todo esse tempo como garantido. Entendia que não ia ter esse tempo de volta.

Tinha saído do cemitério e caminhado até ali lentamente, prestando completa atenção aos detalhes desconhecidos do caminho conhecido, pensando em como nunca os tinha visto. E conseguia ver-se claramente a dizer-lhe: “Já tinhas reparado naquilo?”, e as duas a rirem-se. Mas agora era inútil reparar nisso. Era tarde demais.

A sua mente, que em vez de adormecida, estava rápida e ágil, atirava-lhe à cara todos os seus arrependimentos. Reproduzia a voz dos seus amigos comuns a dizerem-lhe: “ Tu és a forte, o pilar da vossa relação. Não sei como é que ela ficaria sem ti”. E, agora, ali estava ela, a coluna de força, a desabar.

Ela não ia voltar.
Nunca.
Nunca mais percorreriam aquele caminho juntas.
Nunca mais correriam por ali, apressadas para chegar à aula.
Nunca mais se esconderiam da chuva na entrada de um daqueles prédios.
Nunca mais entrariam sorridentes naquele café à beira da estrada.
Nunca.
E tanto tempo perdido…

Agora, teria de atravessar o mesmo caminho, todos os dias, sozinha. E tudo seria diferente. Já não seria o mesmo caminho conhecido. Ela não lá estava. E nenhuma outra pessoa poderia ocupar o seu lugar.

Ela só queria mais um dia, mais uma viagem, mais uma oportunidade para aproveitar. Uma chance para não desperdiçar o tempo. Para não ignorar o caminho. Para não o percorrer como uma máquina. Para desfrutar do caminho, dos detalhes. Da companhia.

Mas ela sabia que não iria tê-la.
Ela não merecia uma segunda chance.
Tal como não a tinha merecido a ela.
E agora acabara-se tudo.
Tudo.
E tanto tempo perdido…


Joana Coelho, Escola Secundária de Camões, 10ºD

Comentários

Bárbara disse…
Amei! Um dos melhores textos que li até agora, parabéns Joana!

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