Melodia Dissociativa



Era uma noite arrepiante, o sombrio reinava, e negra escuridão era tão, ou mais, presente que os ventos, os ventos que rodopiavam, largando, mortíferos, agudos sons de fazer a pele de qualquer um, e qualquer outro, arrepiar horrorosamente. As noites eram escuras por lá, os prédios eram enormes, superiormente altos, não deixando mínimo feixe de luz entrar. Ninguém arriscava por lá caminhar, não a estas horas, não a outras. O ar estava tão húmido que se formava um denso nevoeiro, impossibilitando comum observar, de tudo aquilo que se encontrava a mais de poucos metros. O transparecer do realçar, o encarnar do medo escondido no interior do corpo de qualquer um que por lá passasse. A sua pele branca, como nova neve, o seu rosto pálido, sóbrio pálido não só de cor, mas de emoções. A sua peculiar expressão, não de receio, não de ansiedade, não de nada, e não de tudo. Era uma expressão tão peculiar, quanto é o humano um peculiar ser vivo. Era o seu rosto, o seu pálido rosto.
Escutava os seus passos, lentos, como em Tempo Gravissimo, o seu andar descuidado, tudo sem razão aparente, um segredo irracional, uma tortura ao ouvir. O seu caminhar era uma morte torturosa, e lenta, para mim, para nós.
O tempo permanecia lento a passar, a passar por entre os ventos, ventos assassinos, companheiros da escuridão. Nada mais se ouvia, pois mais nada havia para ouvir, apenas o teu longo caminhar. Ele, silêncio era constante, como meu desejo. Meu desejo de te escutar. Meu desejo de te observar. Meu desejo por ti.
Ao passar contigo, a noite era escura, com altos prédios, e arranha-céus, mas a tua esperança não era mais nula, vaga vadia, como um cão abandonado Na estreita negra rua, encontra-se uma árvore, árvore verdejante, que transportara um outro mundo. Mas a ele ela pertencia, ele tudo possuía. Olhem seu sorriso de gelo, seu mísero olhar, parecendo sempre vazio, sem nada a apreciar. Blasfémias, mentiras, ele sempre observava, olhando cuidado, sempre estava a observá-la, a observá-la na negra estreita rua. Por entre tanta escuridão, seu belo rosto pálido, seu único peculiar brilhar, contrasta todo o lugar sombrio. Um pedaço de esperança permanece.
Uma árvore de dinheiro, verdejante de inveja e egoísmo, com maçãs venenosas, e folhas de tal morte. Não era realmente esperança alguma, era um pedaço de mentira, e engano, como ele, e o seu assombrosamente maldito sorriso gelado. No entanto, mesmo árvore diabólica não sendo esperança, talvez ela ainda pudesse haver, talvez ainda pudesse existir uma pálida esperança.
Contínuo tempo, que sempre continua, à medida que passa, acelera, mais rápido, uma melodia progressiva, encantadora dos diabos, que prossegue, e prossegue, sem paragens aparentes. Rapariga de cabelos compridos, ao voar do vento, e ao voar comigo, continuava a caminhar, passando lentamente, mas não tanto como antes, caminhando por entre negras ruas em Tempo Adágio. Passa, e passa, e por entre passa, nada receies, seus loucos pensamentos eram ditos por acções. Por acções premeditadas, pensadas e repensadas, aflorando o medo em qualquer um, e assim qualquer outro. Desabrochando o medo de morrer, ou o tal pior. Sozinha rapariga caminhando numa rua sem ninguém, receando nem o pior, nem o melhor, talvez nem pensando sequer, talvez não sabendo o que se pode, e está a passar, talvez não querendo sequer tal saber.
Os tempos estão maus, como sempre por aqui, nesta inacabável estreita rua, o medo domina, sempre dominou, dominando. Mas em ti não. Não entendo o porquê, porque não receias tu, como todos os outros que por aqui passaram, todos os outros que se deixaram levar, levar pela tenebrosa melodia do medo, a tenebrosa melodia do matar.
Escuto, e escuta, apenas teu andar, e ele chega-me, sei onde estás apenas pelo teu inocente andar, sei o que pensas e fazes, sei o que queres pensar e fazer, tudo sei, mas não entendo porque qual razão o medo não te controla. Porque não receias tu como todos os outros recearam? Uma questão deveras inquestionável, para a qual ninguém saberá responder, no entanto, tu poderás saber, pena nunca ninguém irá ter o imenso prazer de vir a saber. Vir a saber a maldita razão que te leva a não recear a morte.
O teu rosto pálido, o teu olhar vazio, contrastante com o meu falso vazio no olhar, com o meu falso vazio pretendido, questiono-me, sem nunca entender. Sinto um pequeno remorso no interior, de meu interno, como nunca alguma vez havia sentido, porque serias tu diferente? O teu rosto pálido, o teu olhar vazio, o teu não recear. Porque eras tu assim? Não entendia, não entendo, nem após de tudo consigo ou conseguirei entender. O tempo acelera, acelera, e aumenta insanamente, e tudo vai, e tudo vem, tudo ao passar do tempo, e ao passar comigo.
O Tempo Vivace, louco, rápido, persegue-me agora. O caçador tornou-se a presa, e antiga presa no seu posto se mantém. Tal ingenuidade, nem sabias o que se estava a passar, não fazias menor ideia, era tudo tão maior, tão mais grandioso que tu, que eu. Não entenderias, e nunca entenderás.
Em Tempo Presto, nada é mais como era, tudo está a acontecer agora. A poucos metros estás de mim, eu finalmente sinto receio, o horrorizar na flor da pele. Aquilo que todas minhas vitimas, vitimas do meu sanguinário desejar, do meu desejar insano, sentiram até agora, até nunca, sinto eu, eu a presa. Como tal pode acontecer? Tornei-me o que odeio, o que mato, vítimas de meu conquistar. Sinto o medo. Sinto o medo dentro de mim, receio causar-te medo, receio que algo te aconteça, receio dar o passo errado, receio não tomar mais controlo, e ser controlado. Receio-te a ti.
Não me recordo mais como aconteceu, foi tudo tão rápido, tudo em Tempo Prestissimo, contar-te-ei a ti, e só a ti, meu querido diário, tal qual como foi:
“Aproximei-me dela, do seu belo ser, de longos cabelos compridos, ao esvoaçar do vento (e ao esvoaçar comigo), nada mais lá estava, nada mais de escuridão ou sombrio, era apenas um imenso vácuo, nem preto nem branco, a mais real utopia que alguma vez fora criada pela mente de um ser incomum. Eu. Estávamos frente, a frente, separados somente pelo vácuo do tempo e do espaço, pelo nada, e pelo tudo. Nada mais parecia existir, nada mais existia. Só nós. Curo Medo, por Inocência. Desejo, por Perfeição. Todas peças já jogadas, não voltando mais atrás, tudo lá estava, mas nada tão parecia. Ao continuar já iluminada terapia, por luzes de além, ela de mim também se aproximou, e inocente-me perguntou-me, questionou-me a razão e a verdade. O desejoso porquê. – Porque aqui andas? Algo assim foi, mas não entendi, não queria de mais nadar saber, não queria mais nada entender. Em tempo louco, tempo louco apenas, perguntei-lhe seu nome, somente: - Podes dizer-me o teu nome pálida rapariga? “
E o vento, sempre levando tudo, levou-a, meu querido diário. Ela desapareceu, para o sempre, e para o nunca (para comigo). Esvaneceu-se tal perfeito ser, cujo desaparecer, dominou razão de meu existir, de meu ser, ou não ser. E nunca mais ninguém a veria.

Telmo Felgueira, 10ºE

Comentários

Rita e Marta disse…
O que dizer?
É um verdadeiro texto do Telmo.
Fabuloso, como sempre aliás.

Ass:Rita Amador
10ºE

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