Lacunas



Nos tempos em que Atenas era o centro do mundo, ou melhor dizendo, do pensamento, o corpo continha uma alma, e essa alma era independente desse corpo.
Agora, sabe-se que essa alma não é independente, nem sequer está contida, nem sequer existe. Há um corpo, que contém neurónios, que contém pensamentos, que nos contém.
Portanto, ao longo dos séculos, passámos a ser um ser finito – a alma é imortal, o corpo não.
Contudo, segundo Milan Kundera, n’A Insustentável Leveza do Ser, a alma existe, e sustenta-nos. Tem nome – o nome que nos deram – e divide-se do corpo – aliás, até se consegue separar dele. Levei este livro muito a sério, logo, estou em dúvida:
Somos só carne ou não?
Refletindo, talvez saiba bem. Acho – quer dizer, penso – que somos só um corpo; é esse o limite da nossa existência (o resto, como Kundera disse, é kitsh). Mas, poeticamente, não gosto de pensar que somos apenas isto, o que me faz acreditar na alma. É outra palavra, mais bonita, para definir o “eu” – soa melhor que “massa cinzenta”, não é?
E o corpo não pode ser apenas ele mesmo, pois às vezes é traído. Quem o trai só pode ser a alma. O corpo tem vontade própria, e a alma também. Divergem e criam certos espaços que nós tapamos em vão (destapam-se em sonhos, por vezes, já repararam?)
Por outro lado, o contido e o que contém são mais felizes quando estão em sintonia, logo não são assim tão independentes. Mas tentamos que sejam, sempre que somos obrigados a dividir as coisas (entendamos sentimentos e ações como “coisas”).
Enfim, é uma lacuna. Como muitas mais que temos, e que até apresentava não fosse o limite de páginas – e paciência – a que sou imposta. Porém, e para terminar este texto como gosto, deixo uma frase de Kundera, uma lacuna apresentada por uma personagem que acredita na alma:
“Porque o que excitava a alma era precisamente ser traída pelo corpo que agia contra sua vontade, e, ao mesmo tempo, assistir a tal traição”.
Em suma, somos carne, carne sustentada por uma alma, que tem o nosso nome; não é palpável, mas pesa. Em Atenas, Parménides defendia que o peso era negativo; e agora, o que é atroz? O peso, ou a leveza?


Mariana Gomes, 11.º H

Comentários

Anónimo disse…
Na minha opinião, este texto está interessante visto que, a autora expõe os seus pensamentos e as suas dúvidas. Fez a sua própria reflexão e transmite de forma clara a sua opinião sem deixar margem para incertezas por parte dos leitores.

Ricardo

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