A vela que empalidece...
Passou uma meia
hora, corria um boato que metia medo, algo parecia ter morrido lá fora naquela
noite. Nunca se tinha ouvido tanto silêncio junto. Dela não se ouvia nada,
estava completamente sozinha. Ouvia-se o respirar ofegante e, depois, com mais
calma, ouvia-se o contrariar do medo com gritos e sussurros longos. Respirava e
acalmava-se a si mesma com a mestria dos que passam todos os dias pelas mesmas
estradas.
Habituarmo-nos
ao conforto de ouvir a nossa respiração em dias de tempestade era como um jogo
de tabuleiro de um oponente só, aprendemos a manter um percurso em que corremos
para nos sentarmos dos dois lados da mesa. É um campeonato contraditório, somos
ensinados a jogar para salvar o outro de perder. Eu tinha aprendido a navegar
com uma astúcia considerável, mas talvez fosse só mais um engano meu. Quando o
jogo acabava, eu costumava já estar a dormir, e, de manhã, a vela que eu fazia
por manter viva na noite alertava-me para não tropeçar nas peças que estavam no
chão. Eu costumava perguntar de que peças é que ela estava a falar e era
costume ela dizer-me, com um sorriso compassivo, que o tabuleiro tinha caído de
noite.
Estava com tanto medo que quis
quebrar o silêncio, era uma coisa que eu ainda podia fazer. Ia falar, mas a voz
falhou-me vagamente e, nesse instante, o tecido inteiro do céu sufocou-me com
demasiada força.
Sentia-lhe a chama crescer, altiva,
imponente, acima da minha cabeça, por momentos senti toda a confiança que lhe
tinha a varrer-se-me para o fundo de um tapete agora levantado agressivamente,
como quem sacode um pó que já não sai, e pensei que ela poderia encenar um
espectáculo em que os meus cabelos dançavam ateados às chamas do fogo. A minha
cabeça ardia em memórias e ela ria-se das cinzas que se aproximavam.
O meu corpo escurecia, a luz tinha
anoitecido um pouco no quarto, tudo caía mais um bocadinho. Achei que ou eu
tinha adormecido ou a luz tinha faltado, mas afinal era só a vela que
empalidecia também ela mais um bocadinho.
Leonor Gaião, 10.º I
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