June 3. Percepções



         O aluno visitante sentou-se e assistiu ao resto da aula com algum interesse. Para um olho inexperiente, poderia até parecer que ele estava com toda a atenção do mundo, mas eu consegui ver a sua inquietação na maneira subtil como se mexia na cadeira, consegui ver a sua curiosidade nos olhares que ele não conseguia controlar.

         Todas estas imperfeições podem ser facilmente corrigidas, como é óbvio.

         Assim que soou a primeira nota do longo e profundo som da torre da universidade, todos os alunos arrumaram as suas coisas e começaram a dirigir-se para a saída, com exceção de alguns que se dirigiram ao professor para esclarecer alguma dúvida. Foi sem surpresa que vi um dos presentes passar pela porta mais rápido do que o normal.

         “Para que é a pressa?”, pensei, enquanto o seguia num passo rápido e descontraído.

         Devo confessar que fiquei ligeiramente impressionada com a sua determinação. Não olhou uma única vez para trás, apesar de ser óbvio que sabia que eu o estava a seguir. Qualquer outro olharia para trás compulsivamente enquanto aumentava o seu ritmo progressivamente, até começar a correr e a gritar pela mamã. Isto assumindo, claro, que tinham entrado no jogo logo no primeiro momento, o que não é provável. Sim senhora, este era capaz de valer a pena.

         Ele começou a virar em corredor atrás de corredor. Eu não tinha passado muito tempo naquele edifício mas até eu sabia que, fosse para onde fosse que ele quisesse ir, havia um caminho mais próximo. Sabendo que ele tinha aqui estudado durante sei lá quantos anos, era óbvio que ele estava a tentar despistar-me. Ou isso, ou estava a testar-me e, nesse caso, uma salva de palmas para o iniciado.

         Depois de sabe-se lá quantas voltas ao edifício, ele entrou na biblioteca. Das duas uma, ou achava que eu o tinha perdido de vista, ou tinha desistido de tentar. Ele começou novamente a andar de corredor em corredor, mas, quando eu comecei a achar que já chegava de jogar ao gato e ao rato, percebi que, não, ele já não me queria despistar. Ele estava a dirigir-se para o canto mais remoto da biblioteca, onde se encontrava uma secção deserta e cuja entrada ostentava uma velha placa que informava os visitantes do seu conteúdo – “Runas Antigas”. A sério? Não admira que os únicos seres vivos aqui sejam traças. Se o rapaz gostar disto vai ser uma enorme deceção.

        “O que é que quer?”

         As minhas divagações foram rudemente interrompidas pela voz curiosa, mas surpreendentemente calma, do outro ocupante da sala. Pude, pela primeira vez, olhá-lo de frente com atenção. Era pouco mais alto do que eu, cabelo preto com gel que tentava disfarçar os seus óbvios caracóis, olhos que passavam de verde a castanho e que transbordavam curiosidade e uma estrutura facial que era, basicamente, muito agradável aos olhos. Pode dar jeito se quisermos passar por alguma secretária hesitante. Usava roupa confortável, mas essa era sem dúvida a única coisa confortável no rapaz. Tinha os braços seguramente cruzados em frente do corpo, desconforto – Bê-a-bá da linguagem corporal, e, apesar de ter as pernas direitas e ligeiramente afastadas, tentando demonstrar confiança, era percetível a contração involuntária da sua perna direita, desejosa de se cruzar com o outro membro, noutra demonstração silenciosa de desconforto.

         Ainda bem que estávamos na biblioteca. Primeira paragem: Livros de autoajuda – “Como deixar de ser um livro aberto”.

         Mais uma vez, parabéns pelo esforço.

         Quase que me esquecia. O rapaz fez-me uma pergunta.

         Que má educação a minha ao não lhe responder.

Joana Coelho, 11.ºD

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