Vila Negra



Por Eros

Introdução

   Ao entrar no Bar, abro a porta de madeira, e de castanho antigo, cujo cheiro intenso desapareceu já outrora, substituído pelo denunciar de fumo, e de fumaça, que de lá de dentro vem. Sou alvo, novamente, de um Déjà vu corrente, uma visão presente e marcada na memória de todos os meus dias.
   À minha esquerda estava o balcão sórdido, sujo do passar das bebidas (cuja quantidade no literal é infinita), do seu imediato regresso, e da espuma caída, por entre as fendas do antigo castanho; consequente refletir do angustiado desejo por mais. A servir sempre estava Alguém, o dono do estabelecimento, que apesar de possuir a mais bêbeda das identidades, não chegava para superar a bebedeira dos seus indomáveis fregueses. Estes, entre si, variavam como o humano varia perante todos os outros seres vivos; em primeiro lugar, de modo aparente, surge uma ideia de vasta dissemelhança, mas, seguida análise com perspetiva, todos possuem a mesma essência.  Deste mesmo modo se comportava o existencialismo de todos os habitantes daqui, tão primariamente diferente, e após autópsia, a mais perfeita analogia.
    “Contando a história do Bobo, do Arlequim, e do Palhaço: Por questões ,num dos bancos frontais ao balcão, estava o maculado Vulto, sentado, de perna arqueada, e foice carregada, não ria, anonimamente, das facécias vulgares dos cândidos, sempre escondidos na obscuridade da inocência, mas buscando constante foco, em carregada necessidade de consideração e cortesia de matéria, poupando enlaço, saiam porta fora em evitar de infértil cansaço”
   Esta era a cantiga mais ecoada por todo o Bar, curiosamente, não por parte do abstratamente vil público, mas pelos malditos cândidos, cujas líricas, apesar de incondicionalmente comuns, superavam o hilário, que por si só excedia a racionalidade de qualquer ser de pensamento lógico que lá estivesse, por sua infelicidade, presente.
   Era rara alma a que não fumasse aqui, daí o dito fumo acolhedor ao abrir da porta de entrada, talvez alguém achasse que tal situação provocasse uma sensação de familiaridade (questões de inadaptação ao bom senso). Era algo que admirava nos cândidos, o facto de não serem sujeitos de vícios maliciosos; apesar de, claramente, não o serem pois consideram a situação, e através de mais complexo raciocínio, optam pelo que lhes parece argumentativa, e logicamente, correcto. Eles simplesmente tinham medo de morrer se fumassem; medo de perder, caso jogassem. E medo de chorar… caso se comprometessem a uma mulher.
   Finalmente me afasto do fumo deveras acolhedor, e sento-me num dos bancos, junto à bancada, como sempre faço. Peço a Alguém, que me dê o habitual, um destruidor de esperança e sonhar, despejado num pequeno copo, de modo a não causar mudanças catastróficas de imediato; mas por questões de bom senso… Claro. Após refrescar os pensamentos, e estes se tornarem de menor ambiguidade, através de um ciclo de pequenos copos; retorno para as minhas autópsias psicológicas.
   Na primeira fila, a observar a dita comédia, apesar de nada mais ser que uma contínua tristeza, disfarçada de gargalhadas, está o Cativo. Este prisioneiro em barras de ignorância, ri-se tanto que até as risadas dos três cândidos são ofuscadas (como eles tanto desgostam), talvez se ria da tristeza, talvez da comédia. Não o julgo, pois se há uma regra que tenho é a de nunca reputar alguém cujo uniforme é laranja, não acho nem adequado, nem prático, e muito menos de bom senso. Pelo que passarei ao próximo, deixando Cativo, no seu cativo pela comédia por que ninguém se cativa.



Telmo Felgueira, 11.º E

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