Sob os narizes do Olimpo - Capítulo 3
Voltei ao consultório da psiquiatra na semana seguinte. Ela estava lá à minha espera, como seria de esperar. Mas quando olhei para ela fiquei absolutamente em pânico.
- Não quero ficar aqui… - Sussurrei.
- Posso saber porquê? Não queres falar?
Foi aí que me apercebi de que ela não sabia o que tinha ocorrido. “Ok, Clara. Inspira, expira. Inspira… Expira…”
Entrei pé-ante-pé e sentei-me no sofá frente à cadeira que ela ocupava. Ela ostentava um belo colar preto, que se encontrava preso num dos botões da camisa. Tentou removê-lo, mas tanto o botão como o colar lhe escorregavam dos dedos demasiado facilmente.
- Então, Clara, tiveste uma semana atribulada?
- Bem … – Tentei ganhar coragem para lhe contar mas não fui capaz. O que lhe tinha acontecido estava a passar-lhe totalmente ao lado. – Uma rapariga veio atrás de mim quando saí do seu consultório.
- A sério? Quem era?
- Disse que se chamava Marisa e que era filha de Dionísio, que era também uma semideusa. Era algo despistada, mas muito simpática.
Ela sorriu um sorriso puro, demonstrando-me que conhecia a rapariga e que parecia gostar dela. Os seus olhos, apesar de mortiços, demonstravam alguma vida, entenda-se sentimento.
Não fazia a mais pequena ideia do que trataríamos nessa sessão. Sabia que não seria nada do normal “Como te sentiste esta semana?”, “Sentiste alguma diferença pelo facto de estares sob medicação?”. Seria, definitivamente, algo relacionado com o Olimpo. Durante aquela semana tive tempo de realizar alguma pesquisa sobre a mitologia grega. Afinal, se era para me meter numa guerra entre o Olimpo e o Submundo, deveria saber com quem estava a lidar.
Em primeiro lugar, descobri que Marisa se deveria ter atrapalhado, porque, apesar de me dizer que tinha a ideia que era filha de Apolo, tinha aspecto de guerreira, o que não conjugava muito bem pois a Apólo eram atribuídos o sol e as artes. Penso, então, que ela queria dizer que eu era filha de Ares, o chamado Deus da Guerra. Em segundo lugar, descobri que sendo filha de Dionísio, o deus do vinho e da festa, não seria de admirar que fosse algo despistada. Por último, pesquisei sobre o meu pai, sobre quem já tinha algum conhecimento, mas que, depressa me apercebi, era pouco ou quase nenhum comparado com a quantidade fascinante de informação que havia sobre ele nos vários livros de mitologia da Biblioteca Municipal Central do Palácio Galveias.
Algo que me deixou intrigada foi o facto de ter constatado que, supostamente, o meu pai teria sido fiel a Perséfone. Perguntei à mulher à minha frente – cujo nome ainda não sabia – como é que se dizia que Hades teria sido fiel e eu existia sequer.
- Não podes acreditar em tudo o que lês, minha querida. Essas histórias são contadas por semideuses, a quem, tal como nós não é permitido saber tudo. Não era suposto que os humanos soubessem da nossa existência, mas não se pode esperar que certas pessoas fiquem caladas…
- Então, isso quer dizer que o meu pai, afinal de contas, não é como o pintam? – Perguntei confusa.
- Não te enganes, minha querida. A grande maioria do relatado é real, mas existem sempre alguns pormenores sobre os quais não se pode ter a certeza. Por exemplo, os homens que escreveram a história do teu pai podem não ter conhecido nenhum semideus seu filho, e a verdade é que até há bem pouco tempo, quando decidiu formar o seu exército, era quase impossível que o teu pai fosse capaz de se libertar por algum tempo do submundo.
- Qual é o seu nome? – Perguntei sem mais nem menos, como se o assunto anterior nem sequer tivesse existido.
- O quê? – Perguntou, surpresa pela minha mudança tão súbita de tema de conversa.
- O seu nome. – Repeti – Apercebi-me de que ainda não me disse o seu nome.
- O meu nome é Filomena. Peço desculpa por não me ter apresentado, assumi que to tivessem dito.
- O mais provável é que mo tenham dito, mas como já deve saber eu não estava muito interessada no seu nome quando pensava que era apenas mais uma.
- Eu compreendo. – Filomena respirou fundo. – Clara, agora precisamos de começar a falar de assuntos mais sérios.
Fiquei a olhar para ela com um olhar algo medroso. A verdade é que tinha medo do que poderia significar “assuntos mais sérios”.
- Em primeiro lugar precisamos de te encontrar um lugar mais seguro, onde não sejas encontrada. Um lugar que só por si tenha vários semideuses para que o teu pai não seja capaz de sentir o teu cheiro. E ao mesmo tempo deveríamos levar-te para um local de grande altitude porque lhe custa mais a sentir a tua presença se estiveres mais longe dele.
- Como assim? Vou ter de sair de Lisboa?
- Sim, e o lugar mais perto neste momento é a Serra da Estrela. Se receber alguma informação de que te encontras em perigo teremos de, eventualmente, levar-te até aos Alpes, mas por agora a Serra terá de servir. – Ela começou a falar tão depressa que fui incapaz de a interromper. Porque para além de ainda nem sequer ter respondido se, por mero acaso, estava ou não interessada em sair do lar de acolhimento, ainda não tinha arranjado uma maneira de lhe explicar o que se tinha passado. – Tens de ir o mais depressa possível. Faz uma mala com roupa quente que eu trato de te conseguir tirar do lar.
- Mas… - Consegui finalmente vociferar. – E se eu não quiser ir? – Perguntei.
Ela mostrou-me um sorriso que poderia ser caloroso e levantou-se da sua cadeira.
- Vai correr tudo bem. – Aproximou-se de mim e tentou fazer me uma festa no cabelo. No entanto, a sua mão passou por mim como se eu não estivesse ali.
Filomena ficou estupefacta a olhar para a mão durante alguns segundos.
- Agora vai, minha querida, que tens de te despachar. – Ela aproximou-se da porta da sala e lançou a mão à maçaneta. A mão escorregou-lhe como tinha acontecido com o meu cabelo e ela tentou de novo. O mesmo aconteceu.
Tentou outra vez e a sua mão voltou a passar pela maçaneta da porta como se esta não existisse.
- Mas o que é que se passa? – Filomena virou-se para mim, confusa.
- Lamento muito! – Num instante desmanchei-me em lágrimas. – Eu… eu tentei avisá-la.
Ela aproximou-se de mim e perguntou-me “Avisar-me do quê?”
- Disto! – Expliquei apontado para o seu corpo desfalecido no chão. – Lamento. A culpa foi minha. A culpa é sempre minha!
Saí porta fora e corri pelas ruas, com a visão turvada pelas lágrimas que insistiam em escorrer pelas minhas bochechas.
Rita Catarina Ramos Amador, 10ºE
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