Naquela noite... o infinito




Numa corrida onde ganha o infinito, dois barcos de pássaros passeiam-se pela névoa. As gaivotas desfilam sinistras pela luminosidade perdida, que o céu vai deixando para trás no início da noite.
Lá em baixo, os vultos desinteressados movimentavam-se na podridão das algas presas na areia pálida, derrotada pelas pegadas marcadas do dia que passou. O mar dançava secretamente em direção ao horizonte que escurecia os seus limites. Aos poucos, todos os dias, por aquela hora, os contornos cruéis que separavam mar e céu lá iam esgotando a pintura das suas cores diferentes, os azuis mergulhavam na fuligem e fundiam-se num tom exato de escuridão que ambos conheciam.
Ficavam juntos no fim dos seus maiores medos, encontravam-se sem receio nos degraus das suas portas entreabertas. Naqueles tempos, sussurravam segredos cativos por séculos, numa flecha de melodia fabricavam-se histórias e desejos eternos. O céu e o mar misturavam-se discretamente e enganavam os Homens distraídos que vinham cheirar a maresia.
Lá em baixo, apenas um vulto negro permanecia com os olhos presos no espectáculo das últimas ondas visíveis. As águas eram gélidas, e os ventos agrestes desapareciam dos seus esconderijos nos troncos das árvores. O mundo mudava ao sabor da noite desconhecida e apenas duas esculturas unidas numa sombra se mantinham imóveis perante a força do mar imenso.
Talvez esperassem um movimento brusco das águas que os levasse, talvez tentassem penetrar no teatro da noite. Talvez esperassem um monte de coisas, mas, ali, naquele instante, naquela noite apenas existiam dois vultos negros que o céu e o mar não enganavam com os seus formatos. Tal como o céu e o mar, duas pessoas sentadas no frio da areia entardecida tentavam alcançar o lugar onde as coisas se confundem, procuravam o refúgio da vida quotidiana. E tanto o mar como o céu os observavam, felizes na certeza de que há cores que ninguém confunde.



Leonor Gaião, 10.º I

Comentários

Anónimo disse…
Está mesmo booom! O leitor sente uma espécie de conexão ao ler o texto.

Os meus parabéns!

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