Da minha janela

 



A minha secretária está diante da janela do meu quarto. Enquanto penso no que poderia escrever, deixo a minha mente perder-se na paisagem. Sinto-me inundada por uma quietude imensa, trazida pelos minuciosos pormenores do vago cenário que a minha vista alcança.

      Vejo um pássaro, talvez uma andorinha antecipada na primavera; penso quão bom seria poder voar, ter a liberdade no corpo e a qualquer momento poder evadir-me para longe do barulho da cidade, carregando o imenso céu azul aos meus ombros. Olho para a varanda em frente à minha e vejo a minha vizinha, também ela absorta em seus pensamentos e ocasionalmente a bafejar um bafo do seu cigarro. Em que será que está a pensar? Por vezes, passa-me este pensamento, esta sensação curiosa de que cada pessoa que vemos está a viver uma vida, inteira e completa, repleta de milagres, acasos, preocupações e desesperos sobre o qual nunca saberemos nada, pois esquecemos que a sua existência não se limita ao breve instante em que nos cruzamos.

     Entretanto, as cores do céu começam a mudar com o avançar do entardecer, tornando-se o azul menos expressivo, suplantado pelos tons rúbeos e lilás que antecedem o pôr do sol. As poucas nuvens que povoam o céu parecem mais estendidas, como se se espreguiçassem ao fim do dia. Na verdade, continua a maravilhar-me com o mesmo espanto infantil todo este espetáculo que ocorre no céu e, sempre que posso, esgueiro-me para a janela para o contemplar. Oiço uma brisa, densa e vagarosa, que agita as folhas da olaia em frente à minha casa, que já tingidas pelos castanhos, parecem na eminência de cair. Tudo na paisagem já indica um outono prestes a acontecer e, com a chegada deste, o dissipar de um verão que se faz persistente com estes últimos dias de sol.

     Este pensamento é subitamente interrompido: vejo passar um casal. É engraçado; de tão abraçados que vão a sua sombra (agora projetada pela luz dos candeeiros, que entretanto se acenderam) parece não duas, mas apenas uma. Fascina-me o pensamento de que as pessoas escolhem partilhar a vida com alguém, digo isto com a mais profunda sinceridade. Escolher não ser mais singular, entregar-se numa união com fé e bem querer – deixar de ser apenas uma sombra no caminho, fascina-me realmente. Penso que a relação que tenho com o amor é a mesma que tenho com o mar da Praia da Ursa, em Sintra: é bonito de contemplar, na sua imponência encantadora e tempestuosa, mas não me atrevo já a mergulhar. Enquanto isto, o par atravessa a rua, e não os consigo mais ver.

     Tudo isto, que eu vejo da minha janela, assemelha-se-me a uma manta de retalhos. Pequenos vislumbres, reflexos e observações que fazem parte de um todo maior. Mas é precisamente nestas pequenas conjunturas que está a mais pura e autêntica beleza, e são nestas que vale a pena atentar.

  

Matilde Ventura, 12.º L


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