Paraíso Perdido
Em mais não que num vago dia de um quotidiano pacato, cruzando um destino puramente linear, um homem caminha para o emprego que amava. É então que acontece algo inesperado. Em certa esquina, movido de um passo algo apressado (imagina-se que estivesse atrasado para mais um dia de trabalho), colide infortunadamente contra alguém que, por sua vez, se apressava contra si. Devido à rapidez do embate, quando é atingido, está desarmado e desprotegido, e sofre uma lesão aparentemente grave.
Pouco mais tarde, depois de tontear desajeitadamente, ganha novamente consciência da situação em que se encontrou. Levanta-se para pedir perdão ao peão que provavelmente sofreu a mesma experiência. Porém, quando adquire tal resolução, apercebe-se de algo estranho: a figura com a qual embateu desapareceu. Mais ainda, nas suas imediações, não há rasto absolutamente nenhum do incidente de há pouco; não há movimento e interesse da população transeunte; não há sangue; não é sequer questionado, nem pelo polícia que por ele passava, nem por uma das imensas figuras que lhe oferecesse um pouco de cuidado e preocupação. Apesar de estranhar toda a natureza envolvente no caso, o homem prossegue rumo ao seu emprego e eventualmente esquece o acontecido.
Nos dias seguintes, porém, o homem repara num leque de situações algo desconcertantes. Conversas que se desenlaçam em seu redor sem qualquer ruído, uma apatia geral da sociedade que o rodeia em relação a si (pessoas que não reagem quando ele faz ruídos altos e repentinos), um olhar perdido e vazio nas pessoas com as quais se cruza, desprovidas de qualquer reacção em situações que então deveriam reagir.
Excepto algumas. Algumas pessoas reagem, lançam um olhar vivaz do meio do mar de desalento e de uma multidão duramente letárgica; também estas reparam na apatia do meio envolvente, questionam às outras poucas que reagem se também o entendem. Todos os que se destacam do cinzento começam-se a aglomerar e aos poucos, a palavra espalha-se cada vez por mais e mais gente.
Até que, certo dia, talvez movido de desespero, um homem decide “testar” a sua situação, e assalta uma das “pessoas de fundo” – nem uma gota de sangue, um grito, um pequeno gesto de nervosismo: apenas um olhar distante e longínquo.
Eventualmente o pequeno grupo de pessoas descobre que todas elas sofreram acidentes ou infortúnios peculiares ou potencialmente fatais. Ainda ponderam sobre o bom funcionamento dos seus sentidos, mas, ultimamente, através de inúmeras peripécias, chegam à derradeira conclusão: todos eles faleceram e ascenderam ao paraíso; um lugar simples e pacato, apenas com a pequena ocorrência fora do comum de vez em quando (para enganar o aborrecimento); um abrigo das vicissitudes implacáveis que todos sofreram enquanto vivos. Um abrigo na conformidade eterna e num conforto ad infinitum.
Um Paraíso Perdido.
Gonçalo Gomes, Escola Secundária de Camões, 12ºD
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