Instantes do pensamento e dos dias
Tenho pressa. Tenho aquele
formigueiro para andar mais rápido, chegar ao destino e depois reclamar por
mais viagem. Deixar um rasto de sentimentos por onde eu passar, sem que ninguém
perceba que fui eu que andei por aí, porque os caminhos que tenciono percorrer
são duvidosos, e fazem duvidar de pessoas.
Levo, às costas, uma mala vazia,
sem receio do seu vazio, pronta a enchê-la de algo que também me encha por
dentro. Algo quente que me arrepie. Algo amargo que me faça doce. Algo
inquietante que me acalme. Algo por ser apenas algo. E não interessa o que
seja, desde que seja.
E entretanto, entre tanto e tanto,
fiquei por aqui; tinha pressa, mas não fui – será que tinha mesmo pressa?
Sonhei com ir, com voltar, com andar por aí a vaguear, mas não concretizei nada
– será que não?
O ar estava húmido. O nevoeiro
cortava a visão. E a chuva, em toda a sua gloriosa descida, caía do céu. Não
vinha preparada para esta tremenda precipitação; de manhã o sol reinava, sem
qualquer indício de nuvens que trouxessem gotinhas de água. Sem casaco,
guarda-chuva ou galochas, caminhava debaixo de um tapete de água, que me
molhava até aos ossos. Não compreendo o gosto de alguns pela chuva; torna os
lugares inabitáveis e pouco próprios à presença humana. É bonito, agradável e
reconfortante ver essas quedas de água de dentro de casa, sentada no sofá a ver
um filme ou ler um livro, mas, isso, não faz com que a chuva seja objeto de
adoração.
Agora, volto a passar por esse
mesmo largo onde, loucamente, barafustei com o fenómeno da natureza. Olho á volta;
sombras de árvores, bancos de jardins e roupas estendidas. Nunca repararia na
beleza e calma deste lugar se, outrora, não tivesse passado por aqui quando
chovia brutal e desumanamente.
Será que se gosta da chuva para se
aprender a apreciar os lugares que nos rodeiam?
Gosto da manhã. Das gloriosas horas
iluminadas pelos raios de sol mais frescos e brilhantes. Gosto da manhã.
Daqueles pequenos-almoços tardios ou mesmo dos que são cedo, antes de ir para a
escola. Gosto da manhã. Daquela energia, ainda sonolenta, com que me movimento
e com que penso em como irá ser o dia.
Odeio a tarde. O sol lentamente
arrastando-se, criando sombras ambíguas e dando os pequenos sinais que está na
hora de iluminar outros lugares. Odeio a tarde. A digestão do almoço, que dura
durante horas, provocando-me moleza e má-disposição. Odeio a tarde. A parte do
dia mais longa, sem pausas ou intervalos, e que me faz esgotar o espólio de
atividades por fazer.
Mas a noite, aprecio a noite. O
escuro que impõe – ou não – uma hora de recolher, e que delimita aqueles que
ficam e aqueles que vão. Aprecio a noite. A reflexão do que foi o dia e a
sentença de se foi bom, agradável ou irrepetível. Aprecio a noite. A chegada da
hora do descanso que, mesmo sem cansaço, sabe bem e me faz imaginar como será o
dia seguinte.
O sol aquece-me. E à Joana também.
O Martim e a Margarida também aproveitam o sol.
Está tanto, tanto frio, que este
sol, embora me aqueça, não aquece. Olho para os meus amigos e tremem, porque o
sol não os aquece.
De facto, estou a contradizer-me;
será que aquece ou não? Não, não aquece. Sim, sim aquece. Não aquece porque
está demasiado frio, mas aquece porque a ideia, o símbolo do sol, a sua cor
quente e acolhedora, me aquece. Se pensar que o sol está a incidir sobre mim,
mesmo com esta aragem gélida, não sinto frio.
E, enquanto escrevia este texto,
sobre o sol, o frio e os meus amigos, comecei a acreditar mesmo que só a ideia
do sol me aquece.
Alice Pereira (pseudónimo), 12.º F
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