Parte de mim, já não.



Nunca pensaste em tudo? Uma espécie de pensamento tão raro que fiques horas e horas a pensar e a meditar. Começas por pensar o que é que engloba tudo, e tentas ser o mais literal possível e o mais correcto com a expressão em si. Nunca pensaste no que podia ter sido ou no que será?
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Abocanhei a fatia de pizza mais uma vez e tirei um pequeno pedaço. Com pequenas e minúsculas trincas fui devorando o pedaço de calorias que segurava sobre um guardanapo a dois centímetros da cara. Olhava um ponto fixamente, mesmo não sabendo para qual. Olhava apenas para um ponto no abstracto. A minha cadeira baloiçava e sempre que esta se movia para trás produzia uma espécie de gemido agudo que denunciava a falta de óleo e de lubrificação. Pensei então mais um pouco, sobre o que considerava tudo. Tanta coisa que podia ser reduzida em segundos. Ao fundo tocava uma música meio melancólica, que só dava vontade de nos atirarmos por uma janela, a mais próxima, sem mesmo nos importarmos com o facto de ir causar uma grande dor e com a sujidade acumulada na camisola branca como a que eu usava naquele dia.
Queria saber se te importavas, queria saber se ao menos esse tipo de pensamentos te ocorria. A verdade é que em três anos de convívio contigo e após estes últimos seis meses de dramas e de emoções e de sentimentos sem nexo e sem correspondência, nunca te entendi. Não aquilo que realmente és, conheci apenas aquilo que mostravas ser. As aparências e as ilusões contigo foram, e continuam a ser, tantas que se torna meio difícil de as enumerar e nomear uma por uma. Penso em como eu estava, e penso com o que eu sonhava e vejo que estava tudo verdadeiramente errado. Era apenas fachada, um pouco de cinismo para apimentar a tua triste existência.
Descobri agora que o tudo se resumo a ti. Bom, agora já não tanto. Ou mesmo nada. Apercebi-me e consegui mudar o rumo dos meus patéticos desejos. Sim, os desejos que compartilhávamos. No teu caso era apenas esporádico. Era esporádico manteres um pensamento e partilhá-lo comigo. No entanto, esqueci tudo. Fiz disso, passado, e tenho orgulho nisso. Apesar disso nunca vou deixar de me perguntar se houve algo verdadeiro, se houve algo que realmente importasse e valesse o esforço.
Acabei a fatia de pizza, que até rendeu bastante com o meu vício de nunca dar grandes dentadas. Dei o último gole na minha bebida e considerei-me pronta para continuar com a noite. Ouvi então o meu nome. Era hora de jantar. Fechei o caderno e sorri. É realmente bom seres passado. Não te amo, já não.


Ana Marta Santos, Escola Secundária de Camões, 10ºH

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