Sob os Narizes do Olimpo - Capítulo I




Aquela não era a primeira vez que me passava daquela maneira. Ser como eu, era algo deveras assustador. Mas nunca tinha deixado que alguém percebesse disso.
O meu nome é Clara, e sou órfã de mãe e pai. Tenho vivido em associações a minha vida toda e passado de família de acolhimento em família de acolhimento sem chegar a ficar um ano com cada família.
Não os posso julgar. Sempre dei trabalho a mais. Na primária, era a rapariga disléxica que só conseguiu aprender a ler no terceiro ano. Na preparatória, era a miúda esquisita de cabelo preto e comprido e que tinha aptidões sociais nulas. E, nos dois anos que tinha de liceu, era a rapariga que passava as horas vagas no laboratório de Química, o que não era bem um problema, visto que era a melhor aluna da classe e já tinha ganho inúmeros concursos sobre trabalhos químicos. Mas os psicólogos da escola nunca estavam contentes e continuavam a insistir com os meus “pais” que eu precisava de conviver com pessoas da minha idade, ou pessoas, no geral, e lá acabava eu em mais uma ronda de consultas de psicologia.
Mas isso não seria um problema, eu seria tomada apenas como uma rapariga rebelde se não visse o que via. Ou melhor, se não dissesse que via aquilo que via. Ou, melhor ainda, quem via.
Por isso, quando me apercebi que havia desatado aos berros, porque vi uma pessoa que deveria estar morta caminhar na minha direcção, apercebi-me também do que se seguia: a família de acolhimento temporário haveria de voltar a desistir de mim, e eu voltaria a ser submetida a terapia e a uma dose cavalar de medicamentos que iria deixar de tomar passadas algumas semanas.
__________
- Então, queres começar a falar, Clara? – A terapeuta de meia idade olhava para mim como se tivesse medo que eu fosse implodir.
- Nem por isso. – Expliquei.
- Posso saber porquê? – Perguntou a mulher.
- Porque vai achar que eu sou maluca, porque me vai encher em medicamentos que me deixam fora de mim, mas que não vão resolver o problema. – Respondi-lhe com a maior das calmas. – Tal como fizeram todos os outros.
Consegui calá-la por uns momentos. No entanto não fui capaz de compreender o que a fez pensar. Se porque havia percebido qualquer coisa no meu discurso ou porque a tinha deixado a pensar que realmente era maluca, ou que não me podia ajudar. Já não era sem tempo que um dos psiquiatras que visitava tivesse uma epifania e descobrisse que isto passava além dos seus limites.
- Podes começar por dizer-me o porquê do corte de cabelo radical? Na foto do teu processo tens cabelo longo e liso…
- Estava farta dela, dava demasiado trabalho e toda a gente achava estranho. Assim passo mais despercebida onde quer que vá do que se tivesse cabelo longo e completamente negro.
- E tens a certeza de que esse é único motivo? Muitas vezes estas mudanças radicais têm a ver com a tentativa de uma pessoa se libertar de algo que a inquieta.
Fiquei calada. Se ela queria mesmo ficar ali a falar de qualquer coisa que não nos ia levar a lado nenhum eu nem me importava. Mas ia ficar a falar sozinha.
- Estamos as duas aqui durante uma hora, que é a altura em que te vêm buscar. Podemos ficar aqui a olhar uma para a outra ou podes falar e eu vejo se sou capaz de te ajudar. O que achas?
Fiquei seriamente irritada. Eu sabia que ela não ia chegar a lado nenhum. Nem eu mesma compreendia o que se passava comigo, como é que um total estranho iria perceber?
- Eu vejo pessoas que estão mortas. – Ela não teve a mesma reacção que todos os outros psiquiatras. Não ficou a olhar para mim de olhos ligeiramente esbugalhados e o maxilar inferior descaído. Parecia que estava à espera da resposta. Bem, ela deveria ter o meu registo, ou lá o que é onde os médicos anotam tudo sobre os nossos problemas e maluqueiras. – Tenho uma espécie de sexto sentido incrível, adivinho tudo, mesmo tudo o que acontece, e vejo pessoas que já morreram.
-Bem, consegues explicar porque é que isso acontece? Sabes desde quando é que começaste a ver essas pessoas?
- Desde que me lembro que sou assim. – Respondi sem demora. – Não me lembro de alguma vez não os ter visto, estão por todo o lado.
A mulher ficou calada por uns bons cinco minutos. Olhei pela janela do consultório que estava atrás dela. O céu começava a escurecer e as nuvens no céu, embora já não cobrissem o sol, faziam com que a escuridão se espalhasse mais facilmente e que a noite chegasse mais depressa.
- Clara, eu não sei como te deva dizer isto, mas eu não sou apenas mais uma psiquiatra… Eu prometo que te vou ajudar, mas não terá nada que ver com comprimidos e conversa. Preciso de saber que estás disposta a enfrentar muito mais que uma data de médicos a enfiar-te medicamentos pela boca abaixo.
- Qualquer coisa seria melhor que isso neste momento.
- Clara, és familiar com a mitologia grega?
- Zeus, Poseidon, Hades, Apolo, Afrodite, Atena, Dionísio… Sempre foi um tópico que me interessou. O facto de os Deuses terem os mesmos defeitos que os humanos, inveja, ciúme, é espantoso .
- Clara, essas histórias são todas verdadeiras, e a razão para tu seres como és…
- Calma, o quê?
- Clara, tu és um dos filhos de Hades.

Rita Catarina Ramos Amador, Escola Secundária de Camões, 10ºE

Comentários

Anónimo disse…
Wow Rita, está fantástico, a sério, sério, parabéns, muito bom mesmo ;)
Ass: Telmo
Anónimo disse…
:o adorei, adorei, adorei, está lindoooooo *.* fico à espera de um próximo capítulo.
beijinhos.
susana, 10ºE
Anónimo disse…
o teu texto tá fantástico!!
Ana Margarida
Anónimo disse…
Está mesmo excelente. Adoroo, Ritinha, já sabes :)
Estou ansiosa pelo próximo *.*

Raquel, 10E

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