Bicho da Terra
Somos “um
bicho da terra tão pequeno”. Quem o disse foi o mestre Camões, o mesmo que vê o
Homem como ser capaz de alcançar a imortalidade nos seus feitos. Como pode
alguém fazer do ser humano a mais ínfima e superior criatura do mundo apenas
com a distância de alguns versos? Ser grande e ser pequeno são propriedades
invisíveis no mundo exterior. O espírito não é algo que se meça aos palmos, se
calhar é algo com medida própria, uma medida interna que depende do tamanho com
que pintamos os perigos.
É provável
que não exista um Homem que tem medo de tudo e um Homem que não tem medo de
nada. Existem momentos e existem sentimentos, sentimentos de medo e de angústia
que desenham perigos gigantes que fazem sombra ao tamanho que realmente temos. Tudo
é relativo, se tivéssemos de definir o Homem, diríamos, provavelmente, que é
uma criatura subjetiva em jeito de não definição. Somos os seres mais
contraditórios do universo, não há nada que não possa mudar com o nascer de
outro sol, tal como não existe medo que perpetuamente nos assombre. Há dias em
que nos sentimos maiores que tudo e há minutos de pânico em que a escuridão
ansiosa do medo nos engole. Mas a verdade é que o Homem voa, o Homem vai à lua,
o Homem inventou fotografias que se mexem; o Homem parece ser capaz de tudo e
no entanto morre, no entanto erra, falha e cai. O mesmo ser humano que consegue
desafiar as leis da física e da natureza é aquele que é perigosamente
atraiçoado por tudo o resto que faz parte do mundo. Será que somos frágeis ou é
o universo à nossa volta que esconde demasiados riscos? Seja uma coisa ou
outra, a efemeridade e a vulnerabilidade só torna mais interessante o
espectacular fenómeno do que somos capazes. Por vezes, chego mesmo a acreditar
que a natureza sublime de algumas acções apenas poderia ter sido conseguida por
um ser humano. Ser frágil e ter medo não são propriamente impeditivos ao
sucesso, pelo contrário, são talvez características de uma essencial
sensibilidade que nos permite dar o passo para ir mais além. O encanto de
conseguir algo também está no vencer do medo. Quando ultrapassamos um receio
que na nossa cabeça era do tamanho do mundo todos esses quilómetros quadrados
de pavor passam provavelmente a habitar o nosso corpo. Quando subimos à tona de
um medo enorme quem se torna gigante somos nós. Talvez o Homem seja ao mesmo
tempo um fino grão de areia e um mar sem fim; depende da perspectiva, de onde
vemos, de onde chegámos e para onde vamos. A verdade é que se estiver
encurralada no meio do oceano não vou ter medo de um grão de areia, mas sim das
profundezas da água salgada.
Somos
grandes. Somos pequenos. Somos livres e estamos presos. Cultivamos o ódio e só
queremos amar. Temos medo de tudo, até de uma palavra, e andamos na rua, ao
lado do inesperado e a assobiar à Morte. No caminho, piscamos o olho ao medo;
ele faz-nos uma rasteira e nós caímos desajeitados. Levantamo-nos enquanto o
diabo esfrega um olho e fugimos aterrorizados por ele. Mas é só por um
bocadinho. Na próxima esquina já voltámos a ser maiores que ele e até lhe sorrimos
como quem não quer a coisa.
Leonor
Gaião, 11.º H
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