Breve Memória



Tudo branco à minha volta, uma fila de crianças; sinto-me pequena, mas só de espírito, estou tão consciente do meu corpo. Falo com a minha mãe, tentando afastar os pensamentos. Só consigo ouvir as batidas do coração nos meus ouvidos. Nem consigo entender o quanto estou nervosa e insegura.
O tempo passa; sentada, olho à minha volta, ainda não sei ler e tudo parece um idioma estranho, sinto as palavras rodopiarem à minha volta. Conto os olhos na sala: um, dois, dez, cinquenta, demasiados.
Estou tão dividida, eu nem gosto de ballet, cada vez que fecho os olhos vejo a minha prima, parecida com uma bailarina de Degas; lindo tutu branco e tão graciosa, personificação de tudo o que não sou.
Parecem ter passado horas, depois, o meu nome; a minha mãe não pode entrar, levanto-me. Aqueles majestosos muros centenários parecem fechar-se em cima de mim, sigo nesse túnel e depois luz. Sinto o calor formar uma bolha à minha volta, estou tão consciente de mim, mas, ao mesmo tempo, nem sequer estou ali. Só consigo ouvir um zumbido que contrasta com o silêncio daquela enorme sala.
Uma senhora, toda vestida de cor-de-rosa e com uma profunda expressão de cansaço, aproxima-se de mim, tem o nariz mais pequeno e empinado que alguma vez vi e lábios tão apertados que não se distinguem. Ajoelha-se com uma fita métrica na mão, começa a tirar medidas do meu corpo e escreve, o som do lápis e o meu respiro abafado parecem estrondos. Tento esconder-me, por quanto seja possível num quarto cheio de espelhos. Depois uma voz grave e ríspida sai de um homem baixinho e sem cabelo sentado atrás de uma secretária em cima de uma plataforma. É a primeira vez que noto a presença de alguém na sala desde que entrei. Depois do seu colega do lado esquerdo ter repetido a pergunta, tento executar os passos básicos que me pedem; o meu corpo mexe-se sozinho.
O meu tempo acabou; enquanto caminho em direção à saída só consigo ouvir o barulho hediondo dos pés suados a descolarem-se do parqué e a cada passo tenho a certeza que não passei. Com a placa da “Accademia alla Scala” atrás das minhas costas, um abraço à minha mãe e um gelado depois e já me esqueci de tudo. O ano que vem quero experimentar a ginástica artística.


Carolina Blu Bassano Peixoto de Carvalho, 11.º K

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