Num caminho de estrelas
E, depois
de o pensar, disse metade do que pensou. É uma óptima escolha. Levantou
a bengala amarela, segura na mão direita, como se quisesse tocar com o cabo no
teto. Estendeu-lhe a mão esquerda. Dá-me a mão. Ria apenas lhe deu a mão, tudo
aquilo era tão fascinantemente bizarro que ceder tinha-se tornado fácil quase
como se também ela fosse parte de um feitiço. O feitiço dele.
De repente,
os segundos transformaram-se numa tempestade de movimentos. Ele puxou o céu.
Puxou o céu que era o teto branco, longínquo, do quarto. Com a bengala amarela,
com o cabo curvo da bengala amarela ele tocou no teto, alcançou aquela
superfície lisa e puxou o céu. Um cortinado imenso pintado de negro caiu sobre
eles e envolveu-os numa onda de escuridão.
Tudo, à
volta deles, era breu, escuro imenso, fuligem da noite, um nevoeiro sombrio sem
transparência de uma luz oculta de sol por trás das nuvens.
Ria gritou.
Ficou apavorada com aquele pedaço inteiro de céu que desabava, sem peso, na sua
cabeça. O assassino da bengala amarela apertou a mão dela, como quem a quer
relembrar de que não estava sozinha. Calma, está tudo bem. Ria não sabia o que
pensar. O que é que está a acontecer? Espera, já vais ver.
Não. Ria
não via nada. Estava escuro. Muito. O quarto era só preto, tanto ela como o
assassino da bengala amarela estavam deitados sobre um manto de corvos sem
forma. Ria achou que ia cair à medida que, cada vez mais, deixava de conseguir
distinguir os contornos da cama, do quarto, do seu próprio corpo.
Meu deus, o
que é que fez? Eu vou cair! O assassino da bengala amarela aproximou-se dela,
os seus ombros tocaram-se levemente e ficaram quase colados. Confia em mim, eu
estou aqui, não vais cair.
Ria tremeu.
Aquele homem só podia ser sobrenatural. Aquilo não podia ser real, aquela excêntrica
bengala amarela não seria capaz de puxar o céu e de o trazer de volta numa maré
obscura sem focos de luz.
Subitamente,
uma explosão invadiu aquele sítio sem cor ou forma onde se encontravam. Ria
assustou-se e escondeu a cabeça algures entre os lençóis, que ela já não via, e
o ombro do assassino da bengala amarela.
Eram
estrelas. Um autêntico caminho de estrelas, vivas na luminosidade que traziam,
tinham criado flechas de magia que individualmente irrompiam pela aura negra
invisível daquele quarto.
Leonor
Gaião, 11.º I
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