A olhar a Sombra
Sentámo-nos.
Num dos últimos pedaços de areia seca antes da areia molhada. Deixei-me ficar
sentado. Fui tomando consciência, a triste consciência, de que me tinha tornado
demasiado adulto, demasiado morto. Percebi isso quando entendi que não sabia
onde ou como meter os pés. Não sabia se havia de me
sentar à chinês, de esticar ou cruzar as pernas. Não soube nada, senti que não
sabia relacionar-me nem com a areia. Olhei discretamente para a Sombra, tentei
perceber como é que ela se sentava. Ela tinha os joelhos de encontro ao peito,
com os braços à volta deles. Fiz o mesmo que ela, mas fi-lo lentamente para
tentar ocultar o facto de que estava a espelhar-lhe os movimentos. Senti-me
muito estranho, senti que tinha desaprendido um monte de coisas, algo tão simples
como sentar-me na areia.
A
Sombra só olhava para o mar, olhava o mar e olhava-o outra vez. Atenta,
maravilhada, pensativa, com o rosto leve, com a face cansada, com os olhos
quase fechados, com os lábios a tremer, com os olhos húmidos, com um sorriso enorme
nos lábios, com uma mágoa no rosto. Passado um bom bocado senti um baque muito
leve ao meu lado e vi a Sombra deixar-se cair para trás de repente. Olhei para
ela. Ela sorriu para o céu, deixou cair os joelhos e deitou-se completamente na
areia. Música. Havia sempre alguém a dar corda à caixa de música. E era uma
criança, era uma criança que queria deitar-se na areia, porque as crianças
nunca se importam minimamente se vão sujar o cabelo com a areia. Ela olhou para
mim depois de ter olhado para o céu, era estranho para mim pensar que aquela
mesma criança, que não deixava que a bailarina deixasse de rodopiar por um
segundo, tentava sempre integrar o adulto, que era eu, nas conversas. A Sombra
fitou-me e sorriu. É tão bonito, é tão estranho, parece que não há mais nada a
não ser o céu. Sorri levemente. É? Instintivamente, debrucei-me um bocadinho
para baixo, como se a criança enferrujada dentro de mim, que já não sabia dar
corda à caixa de música, tivesse sentido o impulso de se esparramar também
sobre a areia. Fiquei estupidamente parado, entre a verticalidade e a
horizontalidade do corpo até que a Sombra voltou a falar. Quer ver, Senhor R.?
Ah… eu…sim… Não soube o que responder, deixei-me cair para trás lentamente.
Deitei-me ao lado dela e olhei o céu. Era, de facto, muito bonito. Só se via o
céu, não se via absolutamente mais nada, o vento ouvia-se menos e de uma forma
particular. Parecia que tínhamos entrado numa dimensão paralela, que
experimentávamos outra realidade.
Leonor Gaião, 11.º I
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