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É tudo um Sonho
Ficámos em silêncio durante um bocadinho até que a Sombra
remexeu as mãos uma na outra e falou, numa voz baixa, com um fundo de tristeza
que eu nunca deixava de distinguir na voz dela. Obrigada, muito obrigada mais
uma vez, Senhor R., por me trazer as cartas. Sorri, senti que corei até à raiz
dos cabelos. Não me agradeças, Sombra, faço-o com todo o gosto. Ela não ia
dizer mais nada, ouvi-a suspirar quase imperceptivelmente. Não fui capaz de não
perguntar. Então e… e a carta…? A Sombra sorriu-me. Parecia exausta. Estou
muito contente. Sorri-lhe. Sim? Ela acenou que sim. Ele…, ele disse que nos
íamos conhecer. Arrepiei-me, fechei o jornal. Disse? A Sombra encolheu os
ombros, cruzou os braços sobre a mesa. Gostava tanto que fosse verdade.
Fitei-a, aproximei-me, debrucei-me mais sobre a mesa. Mas, é…deve ser verdade,
não achas? A Sombra suspirou, calou-se, quase deitou a cabeça sobre os braços.
Falou num murmúrio. Não sei…, às vezes, não sei, Senhor R., tenho dificuldade
em acreditar que ele existe mesmo. Ri-me nervosamente. Ora, claro que existe,
mas…, mas quem te escreveria as cartas? A Sombra parecia completamente absorta
da realidade, já nem olhava para mim, olhava para baixo, vidrada, parecia ver
um desenho desfocado. Não sei. Acho que era muita sorte, sabe… Era sorte a
mais. Hoje disse que me adorava, acredita…? De repente, a Sombra fitou-me,
pousou os olhos nos meus, já quase chorava. O Corvo, acredita Senhor R., hoje o
Corvo disse que me adorava, como me pode adorar, como poderia se nem me
conhece? É tudo um sonho, Senhor R., eu nunca vou ver o Corvo, parece que o sei
desde o primeiro dia em que o amei.
Leonor Gaião, 11.º I
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