Dor do Acordar




Dor agradável. Dor que sabe bem. Ele já tinha ouvido falar dela. Tinha lido sobre ela em livros. Tinha ouvido relatos. Raios, ele até tinha ponderado sobre ela. Mas senti-la? Não, ele nunca a tinha sentido. Pelo menos não até àquele momento.

Porque, naquele momento, naquele momento em que a pequena chama o começou a queimar devido à proximidade, ele não fez nada para a afastar. Uma parte dele – a parte sã e racional – dizia-lhe, não!, gritava-lhe que a parasse. Que a fizesse parar de magoá-lo. Mas a outra parte – a maior – não queria saber. Porquê? Porque era óptimo. Aliás, meu Deus, era maravilhoso!

O pequeno papel ardia lentamente nas suas mãos. O isqueiro ficara caído no chão por ele não ter desviado os seus olhos da chama para o pousar correctamente.

A água lava tudo (menos a má língua), a água benta suaviza pecados, remendos escondem buracos, gessos curam feridas, e aquela pequena chamada ardia com o seu pior pesadelo.

Por isso, que interessava se ardia? O ardor era sinal de que era real. De que o papel estava a arder. De que as palavras estavam a perder a tinta. E isso fazia-o vibrar de alegria. Os seus olhos brilhavam de entusiasmo, enquanto os seus nervos se habituavam à dor. A doce dor. A prova irrefutável da realidade.

Objectivamente, ele sabia que a tinta ainda estava no ar, quer dizer, todas aquelas malditas aulas de química tinham servido para alguma coisa, mas não interessava. Quem não vê não sente. E, ali, não havia nada para ver.

Só sentir.
Dor.
A doce dor.
E o desvanecer do pesadelo.


Joana Coelho, Escola Secundária de Camões, 10ºD

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