Sob os Narizes do Olimpo - Capítulo 2




Demorei uns bons dez minutos a recobrar a sanidade mental necessária para falar. E, mesmo quando me sentia perfeitamente capaz de abrir a boca e dizer meia dúzia de palavras, receei que o que me passasse pelos lábios não fosse minimamente coerente.
- Clara? No que é que estás a pensar? – Perguntou-me a minha suposta “psiquiatra”, que afinal de contas seria tomada como uma maior doida varrida que eu.
- Estou a pensar… - Comecei. – Bem, estou a pensar que não devo estar mesmo nada bem, visto que o que me disse é a única explicação que ouvi em dezasseis anos que não rejeitei de imediato.
- Estás a dizer-me que acreditas? – Perguntou na maior das calmas.
- Estou a dizer que ao contrário do que a maioria faria, não a vou mandar a nenhum local impróprio, não a vou chamar de maluca, e sou toda ouvidos até me contar essa história como deve ser.
- Clara, esta história começa há muitos, muitos anos. Tantos que não conseguiríamos contar exactamente.
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Com certeza que já conheces parte desta história, certo? Os Deuses dominam o Universo e o que nele existe.
Sabes que existem os três grandes deuses: Zeus, Poseidon e Hades. E, como sabes, Hades, o teu pai, foi enganado pelos irmãos para ficar no submundo e guarda rancor dos irmãos e do resto dos deuses que habita o Olimpo.
Por isso, há uns anos atrás, – dezasseis, para ser mais precisa – Hades teve uma ideia. Ele conseguiu subir por algum tempo à Terra com o intuito de criar um exército de seus filhos. Semideuses que o ajudariam a conquistar o Olimpo e a derrotar os seus dois irmãos. Por isso, o teu pai dormiu com uma série de humanas que engravidaram e deram à luz os seus filhos. Teus meios-irmãos.
Desde há uns anos, quando estes semideuses filhos de Hades começaram a completar os treze e catorze anos, ele começou a recolhê-los. E os deuses do Olimpo incumbiram-me de descobrir o que se estava a passar. Mas como sou apenas uma semideusa, embora filha de Atena, a deusa da sabedoria, demorei quase três anos a descobrir que ele ia juntando todos os seus filhos para formar o exército.
As coisas no Olimpo andam completamente de pernas para o ar. Zeus e Poseidon andam furiosos e por isso eu estou aqui porque precisamos de ti. Precisamos da ajuda de todos os que conseguirmos encontrar para os derrotar. Mas, neste momento, receio que sejas um dos poucos que ele deixou para trás ou que ainda não encontrou.
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Enquanto subia a rua até ao centro de acolhimento só pensava numa das frases que a mulher me tinha dito “Mas, neste momento, receio que sejas um dos poucos que ele deixou para trás ou que ainda não encontrou.” Pois claro, eu teria de ser aquela que até o deus das trevas rejeitava. A sério? Aquilo estava a começar a tornar-se ridículo. Deprimente.
Passei por uma passadeira que ficava num local perigoso. Ficava mesmo na intersecção de duas ruas, o que queria dizer que se um automóvel viajasse a uma velocidade maior que o devido – o que toda a gente fazia – não seria capaz de parar quando virasse e visse alguém mesmo no meio da passadeira. Quem vivia na zona sabia disso e evitava a todo o custo não atravessar naquela passadeira. Eu estava precisamente a dirigir-me a uma passadeira que me faria dar uma volta maior, mas que, por outro lado, era muito, mas mesmo muito mais segura. No entanto, quando passei vi uma mulher adulta e uma criança de cerca de três anos que estavam prestes a começar a atravessar a passadeira e naquele momento soube que as tinha de parar. Meti-me à frente da mulher e da menina e ambas ficaram a olhar para mim estupefactas. Limitei-me a ignorar os seus olhares de “quem é que esta miúda pensa que é?” e dei uns passos em frente para que elas recuassem para o passeio.
- Não podem atravessar a estrada. Não agora.
No momento em que estávamos as três a salvo no passeio, um carro algo descontrolado faz a curva e passa a pelo menos uns setenta quilómetros por hora. Soltei um suspiro.
- C… co… como… como é que a menina sabia? – Perguntou a mulher quando se apercebeu de que, muito provavelmente, lhe havia salvado a vida, a ela e à filha.
- Eu… - “pensa, Clara, pensa!” – Eu ouvi o carro antes de ele fazer a curva. – Menti. Infelizmente, era algo a que estava bastante habituada a fazer.
- Muito obrigada, querida. Não sei como te deva agradecer.
- Por favor, não se incomode. Não precisa de me agradecer. – Sorri e fui-me embora.
Perguntaram-me como tinha corrido a consulta e eu respondi com um simples “Bem”. Fui directa para o quarto e recusei o jantar. Afinal se era uma semideusa, não era apenas um jantar que passava à frente que me iria fazer mal.
Deitei-me e fiquei ali a pensar. Porque seria que tudo o que tinha ouvido fazia sentido de uma maneira tão arrebatadora? Olhei para o céu. Estava escuro como o breu e não se via uma única estrela. Mesmo assim não estava tão negro como o meu cabelo. Outra coisa que seria de esperar, certo? Cabelo negro equivale a trevas. Olhos verdes demasiados claros sempre foram estranhos e algo mórbidos.
Fiquei a olhar para a janela, para o céu, enquanto esperava que as outras raparigas acabassem de jantar e se viessem deitar.
Quando vi alguma coisa na janela assustei-me e dei um enorme salto na cama.
- Desculpa! – Respondeu a rapariga morena que se encontrava do lado de fora da janela, agarrada ao parapeito a olhar para mim. – Desculpa, Clara. Não era a minha intenção assustar-te. Só queria apresentar-me. – Olhou para mim como se esperasse algo. – Podes abrir a janela só mais um pouquinho? Não consigo entrar assim.
- Quem és tu? – Perguntei exasperada. – Não te vou deixar entrar só porque sim!
- Claro, peço desculpa. O meu nome é Marisa. Sou uma semideusa, tal como tu. Eu vi-te, há pouco, quando salvaste aquela mulher e a filha. Por favor deixa-me entrar, isto de ser semideusa não nos dá super-poderes como força, sabes?
- Desculpa, desculpa. – Corri a ir abrir a janela e deixei-a entrar. Marisa era alta, de cabelos castanhos escuros encaracolados e compridos e olhos azuis. Assim que ela entrou, fechei a janela e voltei a sentar-me na cama. – Como é que sabias que eu era uma semideusa?
- Bem, achei-te estranha quando te vi na rua. E depois, quando salvaste aquelas pessoas tive a certeza. Bem, para uma das filhas de Dionísio sou bastante perspicaz.
- E decidiste seguir-me até aqui… Posso saber porquê?
Respondeu-me com outra pergunta.
- És filha de quem?
- Porque é que me seguiste?
- Primeiro até pensei Apolo porque pareces-te algo com uma guerreira, mas agora que falei contigo acho que és filha de um dos três grandes. Agora qual deles? Poseidon… ou Zeus. Meus Deuses não me digas que és uma das sortudas filhas de Zeus, ele é o que se preocupa mais com os filhos, ouvi dizer que a alguns é dada a oportunidade de ser imortal, mas acho que é só mesmo um mito.
- Sou filha de Hades. – Respondi secamente.
- Hades? Hades, o deus das trevas. Meus Deuses, desculpa, desculpa. Não fiques chateada comigo.
E em menos de cinco segundos tinha saído pela janela. Bonito…

Rita Catarina Ramos Amador, Escola Secundária de Camões,10ºE

Comentários

Anónimo disse…
tens que escrever o resto, que a história ta a ficar memo fixe..
Ana Margarida

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