Eu Ainda Escrevo Cartas de Amor




Eu ainda escrevo cartas de amor. Daquelas tão pirosas que precisamos de um balde ao lado para vomitar o almoço de há pouco. Se tivessem mais duzentas páginas, seriam um livro do Nicholas Sparks.
Eu ainda escrevo cartas de saudade. Melhor só aquela música do Pedro Abrunhosa. A distância até encurta depois de terminadas. Têm como prazo de validade a carta seguinte.
Às vezes, escrevo cartas de mudança. Esporadicamente, duas ou três vezes por ano. São extensas e cheias de erros. São inúteis.
Não me lembro de escrever alguma carta de agradecimento, mas já disse “obrigado” muitas vezes. O mesmo para as cartas de lamento. Quanto a reclamações, costumo fazê-las por telefone.
Eu ainda escrevo cartas de ódio. Nessas, é preciso ter cuidado para a caneta não rasgar o papel. São escritas com urgência e dobradas rapidamente. Não são bonitas de ler, muito menos de reler.
Eu ainda escrevo cartas de desprezo. A letra é precisa, por vezes leve. Escrevem-se de nariz empinado e com um sorriso perverso nos lábios. As palavras são cruas, parecem superficiais, mas atingem sempre o sítio pretendido. Gosto delas porque são diretas, não deixam espaço para floreados e metáforas “copy, paste”.
Às vezes envio-as. Esperam para ser levadas pelo senhor do correio, ou então aguardam quietas na minha mão até serem entregues ao destinatário. Do que sei, sempre foram bem aceites. No entanto, maior parte delas não saem do sítio; são momentâneas. Também existem os rascunhos, morrem na praia. As que ficam comigo são lidas aos bocadinhos… Acontece terem resposta anos depois, mas já vai tarde.
Um dia, juntá-las-ei a todas num molho e, a partir daí, logo vejo o que lhes faço. Talvez as queime – cartas de amor exigem um cliché desses.


Mariana Gomes, 11.º H

Comentários

Anónimo disse…
É bom saber que ainda se escrevem cartas.
Mariana

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