O desejo de ser um outro
Como em todas as outras manhãs, a Helena levanta-se e segue a mesma rotina, tão gasta que os seus débeis músculos reconheçam cada madeira que pisam e taça em que tocam. Todavia, dentro de si, uma nova ansiosa e indomável tempestade forma-se, aproveitando cada resíduo das lágrimas já prestes a secar. Com um pesado suspiro, retoma-se então a névoa de tristeza e dúvida que cada vez mais consome e substituí o oxigénio de uma antes alegre mulher.
"Eu nem sempre fui assim", pensa Helena. Mesmo que os tempos, sem sorrisos forçados se tenham reduzido a breves oásis, a verdade é que esta radical mudança é relativamente recente. Num espaço de duas semanas, tudo se alterou com a subtileza de uma fria brisa. Os amigos distanciaram-se, pode ter sido isso, ou se calhar as notícias continuamente pioraram... talvez... Porém, no fundo, a chegada do fim é clara para mim. Foi uma total e repentina falta de motivação. Com lágrimas já a refrescarem os ressequidos olhos, Helena deixa-se levar e entrega-se ao golpe de emoções que a fez de refém. Passam-se minutos, até mesmo horas, de violentas libertações de mágoa, quando, abruptamente, quase arrastando-se, o seu pálido e magro vulto encosta-se ao duro cimento da varanda, como se à espera que o calor por ele recolhido se comova e, por magia, a ponha normal. Nessa mesma posição, obriga-se, então, a respirar o ar imparcial da rua e timidamente deixa que os seus olhos caiam no movimentado passeio. Mais um suspiro... "Como é que eles conseguem?" admira-se Helena. Todos marcham com certeza e determinação. Corpos viris e robustos, quase como armaduras aos males que furiosamente procuram vítimas, prestes a quebrar. Um novo abalo inicia-se, instala-se outra vez esta negra nova normalidade. Porque é que não posso ser como todos eles? Serei a única aprisionada nesta escura e solidária masmorra? O que daria para retornar àquela despreocupada e bela rapariga... Assim, já desnorteada e avassalada com tamanha tristeza, Helena meramente baixa a sua cabeça, pesada dos demasiados conturbados pensamentos e cenários que acumula, e antes de se deleitar no que parece o seu único consolo, o sono, repete uma derradeira questão:
-"Porque é que não posso ser como os outros?"
Maria Serpa Lourenço, 12.º K
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