Domingos
Arrasto os pés até à varanda com a delicadeza de quem desenha no chão os movimentos. O ar parado envolve a minha pele na sua textura e os meus olhos invadem o cenário parado à minha frente, verde e mudo. O céu está nublado, mas há luz, uma luz azul e pálida. É domingo, não há movimento nas ruas, o que estarão as pessoas a fazer? Provavelmente nas casas a trocar carinho, a ler ou a fazer a sua arte entre quatro paredes. Eu estou só a existir, a respirar o fresco matinal como se fosse a última manhã, e a puxar os restos de sensibilidade que há em mim nesta folha de papel. Tiro um cigarro e ao atear a chama volto à realidade mundana por momentos; momentos efémeros, ali sinto-me alienada das palavras encavalitadas dos outros, do peso necessário dos dias, ali fluo, sou leve. Contemplo assim tudo o que podia estar a fazer naquele domingo e não estou a fazer. As possibilidades são ilimitadas e parecem todas tão aliciantes como estar sentada ali; é bom estar vivo. Assim, sacio-me pelas possibilidades do que posso ser, e isso chega, como se fosse bom aquele momento em que ainda não sou nada, e aquele é um domingo anterior aos domingos que tenho pela frente.
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