O domingo de eleição







  Aqui há uns anos, criei o gosto por dar o braço à minha avó, e, calmamente, irmos às mesas de voto do liceu do bairro. Pena que só acontece de vez em quando, porque, para mim, o domingo de eleição era sinónimo de exaltação do sentido maior, de fausto e de um corre corre de perfumes e espampanância visual. Claro que isto só acontecia porque vivia numa freguesia dos meados do século passado, local de novos ricos, implantada pela alta burguesia na casa dos trinta, e que, agora na dos oitenta, não deu pelo tempo passar, passeando sombras azuis nos olhos e sapatos a condizer com a mala. Claro está, ou de verniz ou de pele.
  Aquele que já fora o meu liceu, emprestava-me agora a sua entrada principal para a nossa chegada de braço dado, serena mas assertiva. A turba, defronte, procura o cartão de eleitor, e o confere o seu número com o do placard indicativo das mesas de voto. Não precisamos de olhas para tais informativos, é claro. Viramos à esquerda, perdão, à direita e depois à esquerda, e esperamos na fila. A minha excitação era inexplicável, procura palmilhar a estrada da república, da democracia e perguntava à minha avó o porquê de tanta partidarização. Ela calada, respondia com o olhar. Olhos de quem viveu a madrugada suja e negra da ditadura na pele, ansiando liberdade e progresso. A avó avança e entra. Eu fico à espera nos bancos de faia com as iniciais do liceu inscritas. Passados minutos, sai. Vitoriosa. Ganhando tempo ao dia. Exerceu com plenitude o que esperou até aos quarenta, participar no país e no futuro.

  Era domingo de eleições.

Gonçalo Dias, 12.º F

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